A vida descoberta de Francisco de Assis
Uma grande surpresa no universo franciscano veio à luz no final de 2014: um manuscrito medieval que narra mais uma vez “a vida de nosso bem-aventurado Pai Francisco”. Jacques Dalarum, historiador medievalista francês, atribui o texto a Tomás de Celano (1200-1265), autor consagrado da Vita Prima – Vida Primeira (1228-1229) de São Francisco, o Memorial do desejo da alma [antiga Vita Secunda] (1246-1247) e o Tratado dos Milagres (1250-1252), obras que se destacam entre tantas biografias consagradas ao Povorello na época medieval.
O curioso texto foi encontrado dentro de pequeno manuscrito e é uma importante descoberta em matéria de manuscritos medievais. Para Dalarum “certamente foi copiado na década de 1230 nas proximidades de Assis, para uso de um frade menor. Amarrotado, vincado, escurecido, manchado, ele não parece grande coisa e serve bem à imagem de simplicidade e pobreza franciscanas. Mas ele guarda um tesouro de textos desconhecidos.” (cf. p. 14).
Jacques, ao analisar a primeira página do manuscrito, concluiu que “não restava dúvida de que estava diante de um profundo remanejamento da primeira Vida do bem-aventurado Francisco, resumida por seu autor, Tomás de Celano, a partir de um pedido de Frei Elias, então ministro geral.” (cf. p. 13). A ideia de que o corpus das Legendas Franciscanas estava completo e que o tempo das descobertas havia acabado deixa de ser a ideia mais aceita após essa descoberta.
A Vida Descoberta de Francisco de Assis ou Vita Brevior (1232-1239), pelos detalhes que revela lança luzes sobre a tão disputada genealogia das legendas e o debate secular da “questão franciscana”. O manuscrito é mais longo que outras legendas franciscanas, como a Vida de São Francisco, de Juliano de Espira, a Legenda Menor de Boaventura de Bagnoregio e a Legenda dos três Companheiros a qual influenciou. Celano ao escrever a Vida Segunda, estava escrevendo a terceira redação da Vida de Francisco.
Mediante estes detalhes a pergunta que mais fizeram a Jacques é: que esta Vida acrescenta a nosso conhecimento sobre Francisco de Assis? A resposta não é simples, diz J. Dalarum “temo decepcionar os amantes do sensacionalismo e os adeptos da teoria da conspiração, Francisco de Assis não era um cripto-herético, nem um rebelde da Igreja romana, e frei Elias não furou os pés e as mãos de seu cadáver para simular a posteriori os estigmas. Aos sensatos, porém, eu gostaria de tentar responder o mais precisamente possível, sem sobrevalorizar ou subvalorizar o alcance da descoberta.” (cf. p. 21).
Em suma, o manuscrito é um resumo da Vida Primeira, considerada longa demais pelos contemporâneos, mas não só: são adicionados novos elementos e fica evidente que a reflexão do autor também se aprofundou ao longo do tempo, especialmente sobre as questões da pobreza e do amor pelas criaturas, há alguns outros pontos novos. Aprofundou-se o tema da fraternidade com toda a criação, o texto é marcado com um discurso anti-identitário. Somos diferentes, mas irmãos, porque todos descendem da paternidade do Criador. Por isso, não é correto afirmar que “Francisco amava a natureza”: pois esse é um conceito do mundo “pagão”. Francisco amava os seus irmãos homens e animais, por serem filhos de um mesmo Criador.
Para concluir, o texto A Vida Descoberta de Francisco de Assis, é composto de um Prólogo (p. 33); uma sequência de nove Leituras (p. 35-47), após essa leitura segue o texto começando com o envio dos irmãos, dois a dois (p. 48-100); e, por fim, a descrição dos milagres (p. 101-133), nas palavras de Celano finalizados “pois a quantidade de milagres a serem escritos nos impõe o silêncio.” (cf. p. 133).
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