Animadores de JPIC se encontram para planejamento das atividades de 2023
No dia 29/10 aconteceu o 1º encontro on-line para planejamento das iniciativas do Serviço de Justiça, Paz e Integridade da Criação – JPIC para o ano de 2023 dos Franciscanos Capuchinhos do Brasil.
Após o momento de oração, frei Luiz Carlos Susin iniciou a sua reflexão dizendo ser relativamente recente a nossa percepção, a nossa sensibilidade, não tanto para a natureza, mas para a ecologia de modo geral, como algo que é inerente ao nosso carisma franciscano capuchinho, a JPIC. Como é recente passa a impressão de que é a “gata borralheira” de nossa identidade e a gente poderia se perguntar: como pode ser recente se temos 800 anos de carisma?
Trouxe elementos de que em tempos passados ainda eram elementos românticos de nossa espiritualidade – como no “Irmão Sol”, fazendo encenações de São Francisco embaixo de árvores, com passarinho, tendo muita gente batendo à nossa porta com aquela visão de Francisco livre, abrindo os braços, caminhando e cantando. Havia esse clima romântico, que também na história do franciscanismo foi recente. No século XIX, essa incrementação aconteceu devido à necessidade do romantismo, um movimento artístico, literário e espiritual, fazendo frente ao naturalismo, ou a entrada cada vez mais ousada da ciência, o positivismo. Então houve uma busca de equilíbrio através do sentimento.
Aquele movimento mais romântico, também vem após, outro momento, o da espiritualidade barroca que nos acompanhou por séculos, como capuchinhos com “alma barroca”... uma tradição barroca muito forte, expressa, por exemplo, na meditação da morte, da finitude, do sombrio, importantes no barroco, e que ainda tem marcas hoje... essa dialética do barroco, que só chegamos à luz, a vida verdadeira, passando pela ascese, pela penitência, superava o renascimento, que era bastante antropocêntrico, otimista, humanista, apresentando São Francisco meditando com muita expressão de penitente e com a ascese.
Jacques Le Goff disse que São Francisco inaugurou uma espiritualidade nova, “ligada à natureza”, algo inovador, pois o cristianismo precisou tomar distância de paganismo – devido certo panteísmo no primeiro milênio, distância para não “endeusar” as outras criaturas. Contudo, depois de Francisco de Assis, a natureza foi se tornando não mais fonte de sedução pagã, mas uma matéria prima para pesquisa, apropriação, manipulação, com o advento das ciências, do mercado, do capitalismo e, portanto, os elementos da natureza se tornam objetos, há uma coisificação e silenciamento da natureza, não existindo possibilidade de interlocução com a mesma. Então, há de se perguntar: Porque todos querem ir a Francisco, se ele não tem retórica, não é belo e não tem uma cultura fascinante?
Depois do Concílio Vaticano II, ficaram muito claros os 4 elementos de nossa identidade: oração, fraternidade, minoridade e apostolado. Havia um debate sobre qual a ordem de importância desses elementos, mas, partindo da pericorese, há uma interligação e intersecção entre esses elementos, sem precedência. A nossa vida tinha que ser vivida em círculo, evidenciada, por exemplo, no texto franciscano “Elogio às Virtudes”, mostrando essa mútua ligação dos princípios: quem tem uma das virtudes, tem todas, e quem despreza uma, despreza todas.
Foi a partir do CPO de Garibaldi/RS que a JPIC começou a entrar como uma 5ª coluna em nossa identidade, e a pergunta seria: como a gente abraça essa coluna com a mesma seriedade das demais? A partir desse conceito de que ela circula e “todas estão com todas”. A JPIC afeta nossa vida de oração, vida de fraternidade (que vai para além do humano, inclusive para todas as criaturas), afeta também o modo de missão e evangelização e o modo de serviço.
Até São Boaventura acaba sendo tragado por essa visão de ordem entre os valores, com a precedência da obediência a quem é superior. Em São Francisco, todavia, a gente não vê isso, mas, ao contrário, ele estabeleceu outro tipo de relação, de estar aberto a uma obediência criatural (fraterna e caritativa), obediência ao Espírito, ao irmão e até as feras da mata, significando uma minoridade absoluta em relação às outras criaturas. Isso só é possível se os outros elementos caminharem juntos, aquela minoridade que significa desapropriação de si, de tal maneira que fique livre de se apropriar das criaturas, transformando em coisas, em bens particulares.
É preciso cuidar dos bens, e a propriedade privada atenta contra a espiritualidade e identidade franciscana. A propriedade particular não é em vista de quem tem propriedade, mas em vista de quem não tem o mínimo de “bens para viver” e necessita deles, devendo a propriedade, assim, estar submetida ao bem comum. Esse sistema de “muro e cerca”, na tradição franciscana, tem o caráter de pecado original! Reconhecer a reciprocidade entre toda a criação, até entre nós e as ervas que nos dão um alívio quando temos dor, é uma reciprocidade sem fronteiras.
Há um elemento também de não reciprocidade. Se nossa relação também não tem interesses de vantagens próprias, ela não fica dependendo da reciprocidade para ser justa. Por isso, a oração atribuída a São Francisco é adequada a ele, “mais amar que ser amado”. Ele se despede das cotovias para não ser apegado com elas, havendo uma gratuidade nas relações, que são a “fundo perdido”, sem espera de retorno, suporta se desapegar e perder a reciprocidade. Por isso, a reciprocidade é uma parte apenas dessa verdade, enquanto ela é recíproca para com o outro, mas sem espera do retorno.
Nesse sentido, a mais alta postura da maturidade franciscana é quando Francisco faz a mediação entre o bispo e o podestá de Assis. E a faz de modo aparentemente meio ingênuo, pede aos frades para cantar o Cântico das Criaturas a eles e isso culmina com o refrão que “perdoam por teu amor”. Perdoar é também gratuito, sem retorno. Eles entendem o recado, pois veem que vem de alguém que tem papel de mediador, sem interesse próprio algum. Isso acontece também na mediação entre o lobo de Gubbio e a cidadezinha. Para se chegar à mediação é preciso fazer um percurso, uma fraternidade mais ampla, na missão adâmica em chamar as outras formas de vida a conviver (missão sabática), na desapropriação que é a minoridade, levando a nós sermos justos, a sermos pacíficos e pacificadores, e a sermos uma fraternidade, vivendo antecipadamente o Reino de Deus.
E todos temos essa necessidade de “conversão ecológica”, que vai nos levar a uma autenticidade grande ao nosso carisma. Um frade escreveu há tempos um texto “frade capuchinho, de caçador a cuidador”. É a conversão de posturas até naturalizadas, como a do caçador. É o caminho para todos nós criarmos uma mentalidade de Justiça, Paz e Ecologia. Muitas vezes precisamos entrar no conflito, mas como mediadores, e não sermos engolidos pelo conflito.
A seguir frei Joel de Jesus, animador de JPIC para a Ordem, apresentou a Lista de Verificação do JPIC Capuchinho, um breve guia para o Animador de JPIC Capuchinho na Fraternidade Local (que está ao final na matéria). Este guia auxilia a realizar o nosso trabalho JPIC. Apresentou também os quatro níveis de trabalho da JPIC, restaurando a humanidade e a natureza na sua dignidade como filhos e filhas de Deus. O material está abaixo e o objetivo é a promoção da espiritualidade de JPIC nas nossas fraternidades. Com os níveis é possível verificar os passos em nosso trabalho JPIC.
Ao concluir a reunião, os frades disseram que a formação contribuiu para abrir os horizontes nas circunscrições, e destacando que já existem muitas ações concretas na Ordem, e como desafio continuar e aprofundar mais os “trabalhos de JPIC” nas fraternidades, talvez com momentos de formação ou informação, para que se conheçam os níveis de atuação do Serviço.
A próxima reunião de planejamento acontecerá dia 03 de dezembro e terá o objetivo de olhar para 2023 e pensar pautas concretas, estratégias e organizar as atividades.
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Lista de Verificação do JPIC Capuchinho
Um breve Guia para o Animador de JPIC Capuchinho na Fraternidade Local
Escritório de JPIC, OFM Capuchinhos, 28 de Outubro 2022
Objetivo
Promoção da Espiritualidade JPIC Capuchinho nas nossas Fraternidades Locais
Como conseguir?
1) Solicite aos nossos superiores que designem um Animador Capuchinho de JPIC para cada Fraternidade Local
2) Colaborar regularmente com os Animadores de JPIC locais e ajudá-los a realizar o que está incluído na Lista de Verificação do JPIC Capuchinho
3) Se necessário, proporcionar workshops que capacitarão os Animadores de JPIC a trabalhar ativamente na promoção da Lista de Verificação de JPIC Capuchinho nas suas fraternidades
4) Os Animadores JPIC da Circunscrição podem também trabalhar em conjunto com os Animadores JPIC locais na realização de workshops para as suas Fraternidades Locais e também para os leigos servidos pelas suas fraternidades locais
Justiça
Um apostolado para os pobres ou excluídos da sociedade
1) De preferência numa base regular
2) Um apostolado em que os frades Capuchinhos podem participar ativamente
3) Um apostolado onde a participação dos leigos é encorajada
4) Exemplos: um programa de alimentação, uma sopa dos pobres, uma instituição social
5) Pode usar como diretriz: Os Quatro Níveis de Trabalho de JPIC - ver Apêndice 1
Paz
Pelo menos uma atividade anual na área do Diálogo Inter-religioso
1) Uma atividade em que os frades Capuchinhos podem participar ativamente
2) Uma atividade onde pessoas de outros credos ou modos de pensar podem participar
3) Exemplos: um Curso de diálogo inter-religioso, uma atividade social que envolve a participação de outros credos ou modos de pensar, trabalhos relacionados com a migração ou direitos dos migrantes
Integridade da Criação
Capuchinho GEM (Movimento pelo Ambiente Verde)
1) Transformação de cada convento capuchinho num Ambiente Verde
- Criação de um jardim com pelo menos 5 árvores, 1 horta e 1 área para ervas medicinais
- Promover a boa gestão de resíduos
- O gado em pequena escala é encorajado (promove a auto-sustentabilidade)
- Também podem ser consideradas fontes alternativas de energia (exemplo: energia solar e eólica)
- Uma atividade de reflorestação cada ano onde os frades Capuchinhos e os leigos podem participar
2) Promoção do Capuchinho GEM junto dos leigos com o convento como modelo.
Ratio Formationis
1) A inclusão de Cursos, Atividades, Exposições e Experiências JPIC em todos os níveis da formação inicial
2) Se possível, a inclusão de um Animador de JPIC como membro do Conselho de Formação de cada Circunscrição
Apêndice 1:
Quatro níveis de trabalho de JPIC
Restaurando a Humanidade e a Natureza na sua Dignidade como Filhos e Filhas de Deus
Objetivo
Restaurar tudo (o homem e a natureza) à sua DIGNIDADE COMO FILHOS E FILHAS DE DEUS O PAI.
Como conseguir?
Adaptar os QUATRO NÍVEIS DE TRABALHO JPIC que consistem no seguinte:
NÍVEL 1
RESPONDENDO PELAS PRESENTES NECESSIDADES (das pessoas e do ambiente)
- Exemplos deste nível de trabalho são: dar as necessidades básicas das pessoas como alimentação, vestuário, abrigo, água, etc.
- Exemplos de apostolados que respondem a este nível 1 são: cozinhas de sopa, centros para os pobres, resposta a emergências sociais, resposta a calamidades e emergências ambientais, plantação de árvores, reflorestamentos, etc.
NÍVEL 2
EMPODERAMENTO (das pessoas e do ambiente)
- Exemplos deste nível de trabalho são: programas que capacitam a construção de comunidades, meios de subsistência, auto-sustentabilidade, cuidados com a criação (exemplo: cuidados regulares com as mudas de árvores já plantadas, fornecimento de fertilizantes, etc.), ajudar os excluídos a encontrar trabalho, educação, etc.
- A este nível de trabalho, damos poder aos desfavorecidos (os pobres que sofrem e a natureza que sofre) para se manterem por si próprios. Para ajudar as pessoas a confiar mais nelas próprias do que nos outros.
NÍVEL 3
MUDANDO DA SOCIEDADE E O SISTEMA (governo, comunidade)
- O objetivo deste nível de trabalho é mudar a sociedade ou o sistema governamental em que as pessoas que estamos a capacitar estão a viver.
- Exemplos de trabalho a este nível são: diálogos e parcerias com funcionários governamentais, organizações, empresas, pessoas ricas ou influentes, a fim de aliviar o sofrimento dos pobres e do ambiente.
- Envolver os ricos e os poderosos para a melhoria da situação de vida dos pobres.
- Outros trabalhos incluídos a este nível são: lobbying, manifestações sociais, tomadas de posição nas ruas, campanhas, colaboração com as Nações Unidas, etc.
NÍVEL 4
RESTAURAR A DIGNIDADE DOS EXCLUÍDOS, DOS POBRES QUE SOFREM E DO AMBIENTE QUE SOFRE À SUA DIGNIDADE DE FILHOS E FILHAS DO PAI
- Este nível de trabalho é na realidade TRANSVERSAL. É realizado à medida que trabalhamos nos outros três níveis de trabalho de JPIC (níveis 1 a 3).
- Ao trabalharmos nos três níveis de JPIC WORK, recordamos constantemente às pessoas que estamos a trabalhar pela dignidade de todos (homem e natureza) como filhos de Deus e que precisamos de respeitar e restaurar esta dignidade.
- Precisamos de fazer evoluir esta consciência do CONHECIMENTO, para a ACEITAÇÃO como uma NORMA DE VIDA ou um CAMINHO ESPIRITUAL DE VIDA. AMOR POR DEUS E AMOR PELOS OUTROS.
- Recordar aos pobres a sua dignidade (1) proporciona consolos imediatos no seu tempo de necessidade, nível 1 (2) capacita-os, nível 2 e (3) muda a sociedade e os líderes governamentais, nível 3