Convertei-vos e crede no Evangelho
Convertei-vos, isto é, crede!
A primeira conversão é aquela que ressoa no início da pregação de Jesus e que está resumida nas palavras: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Procuremos entender o que significa aqui a palavra conversão. Antes de Jesus, converter-se significava sempre um “voltar atrás” (o termo hebraico, shub, significa inverter a rota, voltar nos próprios passos). Indicava o ato de quem, a um certo ponto da vida, percebe estar “fora do rumo”. Então se detém, reconsidera; decide voltar à observância da lei e de retornar à aliança com Deus. A conversão, neste caso, tem um significado fundamentalmente moral e sugere a ideia de algo penoso a se cumprir: mudar costumes, deixar de fazer isso ou aquilo...
Nos lábios de Jesus, este significado muda. Não porque ele se divirta em mudar os significados das palavras, mas porque, com sua vinda, mudaram as coisas. “Cumpriu-se o tempo, e está próximo o Reino de Deus!”. Converter-se não significa mais voltar atrás, à antiga aliança e à observância da lei, mas significa mais dar um salto adiante e entrar no Reino, agarrar a salvação que veio aos homens gratuitamente, por livre e soberana iniciativa de Deus.
“Arrependei-vos e crede” não significam duas coisas diversas e sucessivas, mas a mesma ação fundamental: convertei-vos, isto é, crede! «Prima conversio fit per fidem», escreveu S. Tomás de Aquino: a primeira conversão consiste em crer.[1] Tudo isso requer uma verdadeira “conversão”, uma mudança profunda no modo de conceber as nossas relações com Deus. Exige passar da ideia de um Deus que pede, que ordena, que ameaça, à ideia de um Deus que vem com as mãos cheias para se dar todo a nós. É a conversão da “lei” à “graça”, tão querida a São Paulo.
“Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças...”
Escutemos agora a segunda passagem em que, no Evangelho, volta a se falar de conversão:
“Naquela hora, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram: ‘Quem é o maior no Reino dos Céus?’ Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio deles e disse: ‘Em verdade vos digo, se não vos converterdes e nãos vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus’” (Mt 18,1-3).
Esta vez, sim, que converter-se significa voltar atrás, até mesmo a quando se era criança! O próprio verbo usado, strefo, indica inversão de marcha. Esta é a conversão de quem já entrou no Reino, acreditou no evangelho, já está há tempos no serviço de Cristo. É a nossa conversão!
O que supõe a discussão sobre quem é o maior? Que a preocupação maior não é mais o reino, mas o próprio lugar nele, o próprio eu. Cada um deles tinha algum título para aspirar a ser o maior: Pedro tinha recebido a promessa do primado; Judas, a caixa; Mateus podia dizer que tinha deixado mais do que os outros; André, que tinha sido o primeiro a segui-lo; Tiago e João, que estiveram com ele no Tabor... Os frutos desta situação são evidentes: rivalidades, suspeitas, confrontos, frustração.
Jesus, de imediato, tira o véu. Nem como primeiros, deste modo nem se entra no reino! O remédio? Converter-se, mudar completamente perspectiva e direção. A que Jesus propõe é uma verdadeira revolução copernicana. É preciso “descentralizar-se de si mesmo e recentralizar-se em Cristo”.
Jesus fala mais simplesmente de um tornar-se criança. Tornar-se criança, para os apóstolos, significava voltar a como eram no momento do chamado às margens do lago ou no posto de arrecadação: sem pretensões, sem títulos, sem confrontos entre si, sem invejas, sem rivalidades. Ricos apenas de uma promessa (“Farei de vós pescadores de homens”) e de uma presença, a de Jesus; a quando eram ainda companheiros de aventura, não concorrentes pelo primeiro lugar. Também para nós, tornar-se criança significa voltar ao momento em que descobrimos sermos chamados, ao momento da ordenação sacerdotal, da profissão religiosa, ou do primeiro verdadeiro encontro pessoal com Jesus. Quando dizíamos: “Só Deus basta!”, e acreditávamos.
“Não és frio, nem quente”
O terceiro contexto em que recorre, martelante, o convite à conversão, é dado pelas sete cartas às Igrejas do Apocalipse. As sete cartas são dirigidas a pessoas e comunidades que, como nós, vivem há tempos a vida cristã e, ainda mais, exercem nelas uma papel-guia. São endereçadas ao anjo das diversas Igrejas: “Ao anjo da igreja que está em Éfeso”. Não se explica este título senão em referência, direta ou indireta, ao pastor da comunidade. Não se pode pensar que o Espírito Santo atribua a anjos a responsabilidade das culpas e desvios que são denunciados nas diversas igrejas, muito menos que o convite à conversão seja dirigido a anjos ao invés de homens.
Das sete cartas do Apocalipse, a que deve nos fazer refletir mais do que as outras é a carta à Igreja de Laodiceia. Conhecemos seu tom severo: “Conheço as tuas obras. Não és frio, nem quente... porque és morno, nem frio nem quente, estou para vomitar-te de minha boca... Sê zeloso, pois, e arrepende-te” (Ap 3,15ss). Aqui, trata-se da conversão da mediocridade e da tibieza.
Na história da santidade cristã, o exemplo mais famoso da primeira conversão, a do pecado à graça, é Santo Agostinho; o exemplo mais instrutivo da segunda conversão, a da tibieza ao fervor, é Santa Teresa d’Ávila. O que ela diz de si em seu Livro da Vida é certamente exagerado e ditado pela delicadeza da sua consciência, mas, em todo caso, pode servir a todos nós para um útil exame de consciência.
“Comecei, pois, assim, de passatempo em passatempo, de vaidade em vaidade, de ocasião em ocasião, a pôr novamente em risco a minha alma [...]. As coisas de Deus me davam prazer, e eu não sabia desvencilhar-me daquelas do mundo. Queria conciliar estes dois inimigos entre si e tão contrários: a vida do espírito com os justos e os passatempos dos sentidos”.
O resultado deste estado era uma profunda infelicidade:
“Caía e me reerguia, e me reerguia tão mal que voltava a cair. Eu estava tão por baixo em relação à perfeição, que quase não me dava conta dos pecados veniais, e não temia os mortais como deveria, pois não fugia de seus perigos. Posso dizer que a minha vida era das mais penosas que se possam imaginar, pois eu não me deleitava nem com Deus, nem me sentia contente com o mondo. Quando estava nos passatempos mundanos, o pensamento daquilo que eu devia a Deus me fazia transcorrê-los com pena; e quando estava com Deus, vinham-se a distrair os afetos do mundo”[2].
Muitos poderiam descobrir nesta análise o real motivo da própria insatisfação e descontentamento.
Falamos, portanto, de conversão da tibieza. São Paulo exortava os cristãos de Roma com as palavras: “Não sejais lentos na solicitude, sede fervorosos no espírito” (Rm 12,11). Seria de se replicar: “Mas, caro Paulo, justamente aqui está o problema! Como passar da tibieza ao fervor, se alguém fatalmente aí caiu?” Nós podemos, pouco a pouco, escorregar na tibieza, como se cai na areia movediça, mas não podemos sair sozinhos, quase puxando-nos pelos cabelos.
Esta nossa objeção nasce do fato de que negligenciamos ou interpretamos mal o acréscimo “no espírito” (en pneumati), que o Apóstolo põe na exortação: “sede fervorosos”. Em Paulo, a palavra “Espírito” indica, ou inclui, quase sempre uma referência ao Espírito Santo. Jamais se trata exclusivamente do nosso espírito ou da nossa vontade, exceto em 1Ts 5,23, onde indica uma componente do homem, ao lado do corpo e da alma.
Somos herdeiros de uma espiritualidade que concebia o caminho de perfeição segundo as três etapas clássicas: via purgativa, via iluminativa e via unitiva. Em outras palavras, é preciso exercitar-se longamente na renúncia e na mortificação, antes de poder experimentar o fervor. Há uma grande sabedoria e uma experiência secular à base de tudo isso, e ai de se pensar que tudo esteja superado. Não, não está superado, mas não é a única via que segue a graça de Deus. Um esquema assim rígido denota uma lenta e progressiva mudança do acento da graça ao esforço do homem. Segundo o Novo Testamento, há uma circularidade e uma simultaneidade, por isso, se é verdade que a mortificação é necessária para chegar ao fervor do Espírito, é também verdade que o fervor do Espírito é necessário para chegar a praticar a mortificação. Uma ascese assumida sem um forte impulso inicial do Espírito seria um esforço morto, e não produziria nada senão “vaidade da carne”. O Espírito nos é dado para estarmos condições de nos mortificarmos, mais do que como prêmio por termos nos mortificado. “Se, pelo Espírito, matardes o procedimento carnal, então vivereis”, escreve o Apóstolo (Rom 8,13),
Esta segunda via que vai do fervor à ascese e à prática das virtudes foi a via que Jesus fez percorrer os seus apóstolos. Escreve o grande teólogo bizantino Cabásilas:
“Os apóstolos e pais da nossa fé tiveram a vantagem de serem instruídos em toda doutrina e, ainda mais, do Salvador em pessoa. [...] Contudo, mesmo tendo conhecido tudo isso, enquanto não foram batizados [em Pentecostes, com o Espírito], não mostraram nada de novo, de nobre, de espiritual, de melhor do que o antigo. Mas quando veio para eles o batismo e o Paráclito irrompeu em suas almas, então se tornaram novos e abraçaram uma vida nova, foram guia para os demais e fizeram arder a chama do amor por Cristo em si nos outros. [...] Do mesmo modo, Deus conduz à perfeição todos os santos vindos depois deles”[3].
Os Padres da Igreja expressavam tudo isso com a sugestiva imagem da “sóbria embriaguez”. O que levou muitos deles a retomar este tema, já desenvolvido por Fílon de Alexandria[4], foram as palavras de Paulo aos Efésios:
“Não vos embriagueis com vinho, que leva ao descontrole, mas enchei-vos do Espírito: entoai juntos salmos, hinos e cânticos espirituais, cantai e salmodiai ao Senhor, de todo o coração” (Ef 5,18-19).
A partir de Orígenes, não se contam os textos dos Padres que ilustram este tema, jogando ora com a analogia, ora com o contraste entre embriaguez material e embriaguez espiritual. Quem, em Pentecostes, confundiu os apóstolos como embriagados, tinha razão – escrive São Cirilo de Jerusalém –; erravam apenas em atribuir tal embriaguez ao vinho comum, enquanto que se tratava do “vinho novo”, obtido a partir da “verdadeira videira” que é Cristo; os apóstolos estavam, sim, embriagados, mas daquela sóbria embriaguez que mata o pecado e dá vida ao coração[5].
Como fazer para retomar este ideal da sóbria embriaguez e encarná-lo na presente situação histórica e eclesial? Onde está escrito, de fato, que um tão “forte” de experimentar o Espírito era prerrogativa exclusiva dos Padres e dos primeiros tempos da Igreja, mas que já não o é mais para nós? O dom de Cristo não é limitado a uma época particular, mas oferecido a toda época. É justamente papel do Espírito tornar universal a redenção de Cristo, disponível a cada pessoa, em cada ponto do tempo e do espaço.
Uma vida cristã cheia de esforços ascéticos e de mortificação, mas sem o toque vivificante do Espírito, pareceria – dizia um antigo Padre – uma Missa na qual fossem lidas tantas leituras, cumprissem-se todos os ritos e levassem tantas ofertas, mas na qual não acontecessem a consagração das espécies por parte do sacerdote. Tudo permaneceria o que era antes, pão e vinho.
“Assim – concluía esse Padre – é também para o cristão. Se também ele tiver cumprido perfeitamente o jejum e a vigília, a salmodia e toda a ascese e toda virtude, mas não se cumpriu, pela graça, no altar do seu coração, a mística operação do Espírito, todo este processo ascético será incompleto e quase em vão, porque ele não tem a exultação do Espírito misticamente operante no coração”[6].
Quais são os “lugares” onde o Espírito age hoje desta maneira pentecostal? Escutemos a voz de Santo Ambrósio, que foi o cantor por excelência, entre os Padres latinos, da sóbria embriaguez do Espírito. Após ter recordado os dois “lugares” clássicos onde sorver o Espírito – a Eucaristia e as Escrituras –, ele acena a uma terceira possibilidade. Diz:
“Há também uma outra embriaguez que se opera por meio da penetrante chuva do Espírito Santo. Foi assim que, nos Atos dos Apóstolos, aqueles que falavam em línguas diversas pareciam aos ouvintes como se estivessem cheios de vinho”[7].
Após ter recordado os meios “ordinários”, Santo Ambrósio, com estas palavras, acena a um meio diverso, “extraordinário”, no sentido de que não é determinado antecipadamente, não é algo instituído. Consiste em reavivar a experiência que os apóstolos fizeram no dia de Pentecostes. Ambrósio certamente não queria apontar para esta terceira possibilidade, para dizer aos ouvintes que esta era excluída para eles, sendo reservada apenas aos apóstolos e à primeira geração de cristãos. Ao contrário, ele desejar estimular os seus fiéis a fazer a experiência daquela “chuva penetrante do Espírito” que se verificou em Pentecostes. É o que São João XXIII se repropunha com o Concílio Vaticano II: um “novo Pentecostes” para a Igreja.
Portanto, para nós há a possibilidade de sorver o Espírito por esta nova via, dependente unicamente da livre e soberana iniciativa de Deus. Um dos modos em que se manifesta aos nossos dias este modo de agir do Espírito para além dos canais institucionais da graça é o chamado “batismo no Espírito”. Aceno a ele nesta sede sem qualquer intenção de proselitismo, apenas para responder à exortação que o Papa Francisco dirige aos adeptos da Renovação Carismática Católica para compartilhar com todo o povo de Deus esta “corrente de graça” que se experimenta no batismo do Espírito.
A expressão “Batismo no Espírito” procede do próprio Jesus. Referindo-se à próxima Pentecostes, antes de subir ao céu, ele disse aos seus apóstolos: “João batizou com água; vós, porém, dentro de poucos dias, sereis batizados com o Espírito Santo” (At 1,5). Trata-se de um rito que não tem nada de exotérico, mas é feito mais de gestos de grande simplicidade, calma e alegria, acompanhados de posturas de humildade, arrependimento, disponibilidade em se tornar crianças.
É uma renovação e uma atualização não apenas do batismo e da crisma, mas de toda a vida cristã: para os casados, do sacramento do matrimônio, para os sacerdotes, da sua ordenação, para os consagrados, da sua profissão religiosa. O interessado para tal se prepara, além de uma boa confissão, participando de encontros de catequese, nos quais se põe em um contato vivo e alegre com as principais verdades e realidades da fé: o amor de Deus, o pecado, a salvação, a vida nova, a transformação em Cristo, os carismas, os frutos do Espírito. O fruto mais frequente e mais importante é a descoberta do que significa ter “uma relação pessoal” com Jesus ressuscitado e vivo. Na compreensão católica, o batismo no Espírito não é um ponto de chegada, mas um ponto de partida rumo à maturidade cristã e ao compromisso eclesial.
É justo esperar que todos passem por esta experiência? É ela o único modo possível para experimentar a graça de um renovado Pentecostes, desejada pelo Concílio? Se, por batismo no Espírito, pensarmos em um certo rito, em um certo contexto, devemos responder que não; certamente, não é o único modo para fazer uma experiência forte do Espírito. Houve e há inúmeros cristãos que fizeram uma experiência análoga, sem nada saber do batismo no Espírito, recebendo um evidente incremento de graça e uma nova unção do Espírito após um retiro, um encontro, uma leitura. Até um curso de exercícios espirituais pode muito bem se concluir com uma especial invocação do Espírito Santo, se quem orienta fez uma experiência e os participantes o desejarem. O segredo é dizer uma vez “Vinde, Santo Espírito”, mas dizê-lo com todo o coração, deixando o Espírito livre para vir da maneira que ele quiser, não como gostaríamos que ele viesse, possivelmente sem mudar nada em nossa maneira de viver e orar.
O “batismo no Espírito” tem se revelado um meio simples e potente para renovar a vida de milhões de fiéis em quase todas as Igrejas cristãs. Não se pode contar as pessoas que eram cristãs só de nome e, graças a essa experiência, tornaram-se cristãs de fato, dedicadas à oração de louvor e aos sacramentos, ativas na evangelização e prontas a assumir encargos pastorais na paróquia. Uma verdadeira conversão da tibieza ao fervor! É o caso de dizer a nós mesmos o que Agostinho repetia a si mesmo, quase com desdém, ao escutar histórias de homens e mulheres que, em suo tempo, abandonavam o mundo para se dedicar a Deus: “Si isti et istae, cur non ego?”[8]: Se estes e estas, por que também não eu?
Peçamos à Mãe de Deus que nos obtenha a graça que obteve do Filho em Caná da Galileia. Por sua oração, naquela ocasião, a água se converteu em vinho. Peçamos que, por sua intercessão, a água da nossa tibieza se converta no vinho de um renovado fervor. O vinho que em Pentecostes provocou nos apóstolos a embriaguez do Espírito e os tornou “fervorosos no Espírito”.
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Traduzido do italiano por Frei Ricardo Farias, OFMCap
[1] S. Tomás, S.Th, I-IIae, q. 113, a. 4.
[2] Cf. Teresa d’Ávila, Livro da Vida, cc. 7-8.
[3] Cf. N. Cabásilas, Vita in Cristo, II,8: PG 150,552ss.
[4] Cf. Fílon de Alexandria, Legum allegoriae, I,84 (methē nefalios).
[5] Cf. S. Cirilo de Jerusalém, Cat. XVII,18-19 (PG 33, 989).
[6] Cf. Macário do Egito, in Filocalia, 3, Torino 1985, p. 325).
[7] Cf. Santo Ambrósio, Com. ao Salmo 35,19.
[8] Santo Agostinho, Confissões, VIII, 8,19.
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Primeira Pregação de Frei Raniero Cantalamessa na Quaresma de 2021.