Faíscas...
"Só por instantes o ser humano suporta a santidade divina. Sonhar com ela é, depois, a vida" (Holderlin)
I.
Antes de ser santo, é preciso ser bem-aventurado.
A primeira das bem-aventuranças que pronunciou Jesus, tal como no-lo relatam Mateus e Lucas, é a bem-aventurança dos pobres. As bem-aventuranças seguintes são explicitações dessa mendicância com espírito, isto é, com liberdade.
Digo mendicância porque o termo grego para dizer pobre, ptokós, sugere o gesto de mendigar, isto é, a aptidão de saber suplicar ou implorar, à caridade alheia, alguma coisa com que garantir a própria sobrevivência.
Se o “pobrezinho de Assis” estimulou os frades a trabalhar honestamente, estimulou-os igualmente a pedir esmolas. Para São Francisco, mendigar era um jeito de evangelizar. Evangelizar?! Como assim? É que os frades, em pedindo aos camponeses que lhes dessem pão, vinho e trigo, davam-lhes também a chance de repartir.
É a partir dessa perspectiva que mendigamos de Santo Antonio, São João e São Pedro, nesse junho em que os comemoramos, a esmola de um breve e incisivo ensinamento, para sermos “peregrinos” venturosos e bem-aventurantes.
É talvez útil lembrar que São Francisco, já antes de sua conversão, sentia uma misteriosa atração por mendigos, mormente por leprosos. A conversão só desentranhou uma tendência oculta nas entrelinhas do seu coração.
Se estou insistindo na graça de ser mendicante, longe de mim insinuar que devamos ser como aquele célebre e já esquecido “mendigo pegador”, senão talvez como o “mendigo ingrato” de Léon Bloy.
Pois bem, se o latim traduz a bem-aventurança como uma beatitude, se o grego traduz como uma felicidade, o hebraico, ashrei, traduz como um decidido avante!: um destemido e sereno avançar para dentro da Sarça ardente. E do interior do ardente Espinheiro saímos (êxodo, sínodo), irradiando as chamas que nos penetraram, sem no entanto incinerar-nos.
II.
Uma meditação sobre a Santidade de Deus, que Santo Antônio, São João e São Pedro irradiaram, talvez deva parecer-se com os bosques de Robert Frost:
The woods are lovely, dark and deep.
Um texto a respeito da santidade deve ser belo, claro-escuro e conduzir-nos pro fundo da existência cristã.
Na impossibilidade de escrever algo assim, proponho que saboreemos o que sugere uma canção chamada Fogueira:
Eu vivo a vida a vida inteira
A descobrir o que é o amor:
Leve pulsar do sol a me queimar.
Não penso ter a vida inteira
Para guiar meu coração
Eu sei que a vida é passageira,
Mas o amor que tenho, não.
III.
Se o bem-aventurado é um pobre de si, o santo é um rico de Deus. Endeusado, não se julga, porém, um deus, mas sim um pobre participante da única Santidade.
E assim, quando saborearmos os licores, a canjica, o milho assado - recebidos e doados -, convém lembrar que saber algo sobre Deus é saborear algo de sua Santidade. Santidade que cintila, por um instante, na vida de quem se prodigaliza em gestos de sabedoria e compaixão.
Franciscanamente...