Frei Jean é ordenado presbítero, em Piracicaba
"Em uma semana eu vi tudo mudar", disse Frei Jean Carlos de Andrade em seu discurso na tarde de ontem (19) após ser ordenado presbítero da Igreja. Realmente, com o avanço para uma fase ainda mais restritiva do Plano São Paulo, o Governo do Estado proibiu celebrações religiosas coletivas mudando os planos da missa que estava sendo planejada desde o ano passado. Precisou haver remanejamento de lugar e o ordenando precisou desmarcar a presença dos poucos amigos e familiares que ainda poderiam participar da celebração. Frei Jean teve que compartilhar esta marcante tarde da solenidade de São José apenas com os frades, sua mãe e sua tia. A missa teve início às 16h30, no Seminário Seráfico São Fidélis (Piracicaba-SP), e foi presidida pelo bispo emérito de Carolina-MA, Dom Frei José Soares Filho (Egito) - bispo ordenante - e concelebrada por Frei Arcanjo Soares (Ministro Provincial), Frei Alonso Pires (Vigário Provincial) e Frei Adalto Antônio (pároco da igreja dos frades, em Piracicaba).
Na homilia, Dom Egito refletiu sobre aquele ser um momento culminante na jornada que Frei Jean percorreu do postulado até a sua vestição e da sua primeira profissão até a profissão perpétua, passando pela ordenação diaconal (no ano passado): tudo foi etapa preparatória para este dia. Tendo início o rito da Ordenação, a emoção tomou conta do jovem frade capuchinho, assistido com carinho pelos frades na capela do Seminário.
Ao final, Frei Jean fez agradecimentos, lembrou a situação da pandemia - nos exortando a não sermos omissos neste momento - e falou como a simplicidade e discrição de José fizeram a diferença no mundo: "Sim, José cooperou com sua paternidade no mistério da salvação. Tornou-se depositário singular do mistério santo. Tenho para mim, efetivamente, que a participação de José na história salvífica nos servirá de luzeiro seguro para nosso serviço e ministério", exortou. Por fim, recordou todas as casas por onde passou até chegar em Piracicaba: terra por onde os capuchinhos deram os primeiros passos no estado de São Paulo em 1890 e por onde agora Frei Jean também dará os seus primeiros como presbítero da Igreja.
Confira a íntegra do texto de agradecimento:
Chegando à plenitude dos tempos, estando para enviar à terra o seu Unigênito Filho, Deus constituiu José como Senhor e Príncipe de sua casa e o elegeu guarda do seu tesouro precioso: Jesus Cristo. De fato, Aquele que tantos desejavam ver, José não só o viu, mas com Ele conviveu e com paternal afeto conduziu-o à vida. Quão sublime dignidade Deus conferiu a este fidelíssimo servo seu.
Confiadamente, temos diante de nossos olhos o seu modo humilde e amadurecido de servir e de participar na economia da salvação. Sim, José cooperou com sua paternidade no mistério da salvação. Tornou-se depositário singular do mistério santo. Tenho para mim, efetivamente, que a participação de José na história salvífica nos servirá de luzeiro seguro para nosso serviço e ministério.
Homem da disponibilidade de vontade, semelhante à disponibilidade de Maria, José acolheu aquilo que Deus lhe pedia por meio do seu mensageiro. De modo análogo, ele respondeu afirmativamente à Palavra de Deus; pôs-se a executar a mensagem divina e permaneceu totalmente determinado por ela. Vejam, isto que ele fez é puríssima obediência da fé. Obedecer custa-nos muito, entregar-se total e livremente a Deus, dando voluntário assentimento ao seu querer, custa-nos. Mas é somente pela obediência que conseguimos superar os dramas que nos afligem.
Nenhum ministério nasce da vontade humana. Se nos fizeram ministros, é por vontade de Deus. Eis que Ele está no limiar de toda história. A uns o Senhor chama à maternidade, ao matrimônio, outros à vida consagrada, ao celibato, a José chamou-o à paternidade e sua paternidade expressou-se concretamente em ter feito de sua vida um serviço, um sacrifício, ao mistério da Encarnação do Verbo Eterno.
Ser depositário e cooperador do mistério providencial de Deus são prerrogativas eloquentes em José. Ao longo de sua caminhada silenciosa, cooperou perfeitamente com a Verdade, José escuta não só a verdade divina acerca da vocação da sua esposa, mas ouve a verdade acerca da própria vocação. Só quem ouve a verdade do próprio chamamento exprime em atos o amor generoso. Bendito o ministério que participa desta excelsa grandeza! Bendita a oblação sobre-humana de si mesmo! Bendito o homem justo de Nazaré que, naquelas dulcíssimas virtudes da obediência, da justiça, da ternura, do acolhimento, da coragem criativa, creu e seguiu adiante.
Sabemos que um ministério se tece e sustenta-se assim: num serviço cotidiano discreto e escondido. Não sem razão quis celebrar este ministério na festividade de hoje, pois São José lembra-nos que todos aqueles que estão, aparentemente, escondidos ou em segundo plano, têm um protagonismo sem paralelo na história da salvação. Na verdade, a paixão pelo Reino mobilizou São José, de tal forma que não procurou atalhos, mas enfrentou de olhos abertos aquilo que lhe sucedia. Oxalá eu possa levar adiante a missão de dignificar a vida, ir aos lugares mais periféricos, receber os outros sem exclusões, tal como são, reservando uma predileção pelos mais frágeis, assumindo, qual José, a responsabilidade por isso.
Para empreender esta nobre missão, não pude permanecer sentado. Seguir Jesus Cristo exigiu uma dinâmica continuada, um caminho árduo: onze anos rumando em direção às margens. Onze anos rompendo a cômoda instalação pessoal. Onze anos de um longo e exaustivo percurso, de uma criatividade infinita, encontrando pais, mães, irmãs, irmãos, amigas e amigos, que como eu, movidos por um intenso amor a Jesus Cristo, passam, observam, curam, compadecem-se, ajudam, transformam, multiplicam os esforços humanos.
Ao deixar os meus familiares (notei que santo que de casa não faz milagre mesmo, mas é de boa valia) notei que o respeito e o amor tornaram-se ainda mais intensos e profundos, fazendo-me sentir uma enorme gratidão por todo esforço que tiveram em me educar e fazer de mim uma pessoa simples e honrada. Hoje, mesmo não podendo estar fisicamente celebrando este grande dia, meus familiares (pai, avós, tios e tias) e amigos estão presentes em meu coração; aqui se encontram minha mãe, tia e primos: toda a minha gratidão e afeto por vocês.
Amigos e amigas, recordemos o convite de Jesus a provocar encontros e diálogos que ajudem a integrar, a reunir, a religar, a articular o tecido fraterno. Assim fizemos em Guariba (não é mesmo Padre Caio, Joyce, Vânia e Gerson, responsáveis por eu estar aqui?); assim foi feito em Birigui; Teresópolis (que Deus abençoe aquele lugar); Taubaté (quanta gente querida naquela cidade!); Santo André (umas véias e uns véi tão amorosos, né Rosa e Fernando?); Sapopemba (a Amadinha quase enlouqueceu todo mundo, só a Selma consegue entendê-la); Santos (quanto carinho tive ali no Embaré com a Ariane, Frei Paulo e Eduardo); assim fizemos em São Paulo; assim foi feito há onze anos aqui em Piracicaba. Amigos e amigas, as relações são desejosas de convivialidade, de diálogo humanizador, sonhos de fraternidade e encontro. Não percamos isso. Agradeço imensamente o carinho de todos vocês.
A chamada do Senhor é surpreendente e misteriosa, trouxe-me aqui por algum motivo, constituiu-me capuchinho por alguma razão. Por isso, sou grato. Sou agradecido por essa família: a família da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos. Na pessoa do meu querido irmão e amigo Frei Arcanjo, nosso Ministro Provincial, estendo o meu agradecimento: à Província dos Capuchinhos de São Paulo; aos formadores; ao guardião deste seminário, Frei Caetano; ao pároco desta paróquia, Frei Adalto; aos confrades que vieram celebrar; ao meu terrível e temível guardião, Frei Sermo; aos formandos da PROCASP (pós-noviços e postulantes); aqueles que se dispuseram a servir o altar, Frei Maycon e Frei Mateus, músicos (Frei Takaki, Juliana, Fábio e pós-noviços); ao Excelentíssimo irmão Dom Egito, que se dispôs a orar e me conferir o segundo grau da ordem (dom, obrigado pelo seu serviço discreto e singelo à Província); enfim, a todos os fraternos irmãos sou agradecido pelo apoio, confiança em todos esses anos.
Quero, ainda, estender esse agradecimento àqueles que me acompanharam direta ou indiretamente na jornada da vida franciscana: religiosos, religiosas, padres e tantos outros. Irmãos, confiemo-nos a Deus, depositemos nele nossa esperança e os sonhos de dias menos tenebrosos.
Por fim, quero rogar a cada um de vocês: rezem pelas vocações, rezem por mim, rezem para que este ministério seja serviço e só serviço, rezem uns pelos outros para que não fujamos da realidade, antes nos aproximemos dela com todos os nossos sentidos bem abertos. Rezem para que compreendamos que o diálogo é a única alternativa de proximidade e colaboração de que todos precisamos: pretos, brancos, mulheres, homens, gays, trans, crentes, católicos, espíritas, todos. Não podemos deixar que o sonho do Reino se dilua em meio às distancias artificiais que desumanizam. Rezem, pois falsos messias desencadeiam divisões, obstruem as possibilidades do diálogo e lançam-se ferozmente contra aqueles que com a sua existência são clara denúncia da injustiça e da morte (Há muitos doentes, muitos mortos, muitos enlutados, muitos irmãos e irmãs vivendo um tempo de incerteza e medo. Não podemos ser coniventes com este governo genocida). Rezem para que o zelo religioso, moral ou político não mais degenere em formas de intolerância e violência. Contudo, não nos deixemos apavorar, pois o Senhor guardou eternamente para nós a sua graça e conosco firmou sua Aliança indissolúvel.