Homilia do I Domingo do Advento
- "Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra a aflição e a angústia apoderar-se-ão das nações pelo bramido do mar e das ondas. Os homens definharão de medo, na expectativa dos males que devem sobrevir a toda a terra. As próprias forças dos céus serão abaladas” (vv. 25-26).
De um lado temos uma vida pessoal, familiar e de trabalho. Temos também nossa sociedade e mundo organizados de tal maneira que, mesmo não estando tão pacíficos e justos, conseguimos sobreviver. De outro lado, temos pessoas sem voz e sem vez, outras pessoas que foram lesadas, injustiçadas, e sem chance e sem forças de sozinhas saírem de um abismo qualquer. Nós mesmos, por vezes, nos sentimos, também, incluídos neste grupo de pessoas que padecem por causa dos próprios limites e pecados, e também por causa de outros. Diante de tudo isso, podemos afirmar que há um “bem” que quer vir à tona, há preces, súplicas e sonhos de justiça, de paz, de felicidade; e há também um “mal” por combater, um lamento por dias melhores: “Eu sou o Deus de teus pais. Ouvi os clamores do meu povo e desci para libertá-lo” (Ex 3, 7).
O sol – chamado pelos romanos de “invencível” –, a lua, as estrelas, o mar e as forças do céu são abalados quando a força do “Filho do Homem” se faz presente. Por mais que sejam fortes as organizações, ideologias, perversas religiões e falsas idéias de Deus (“forças do céu”), governos, grupos e pessoas que sufocam o bem e que fazem o mal, eles são sacudidos, abalados e destronados diante da força do “Filho do Homem”.
O nosso Deus, não sendo indiferente, entra em nossa vida, em nossa história de vida, em nosso mundo, com sua força, abalando sol, lua, estrelas, o mar e as forças celestes. A terra se apavora, nós nos apavoramos, pois pensamos que toda convulsão social ou familiar, toda crise ou angústia pessoal, seja o princípio do fim. O texto fala que os homens desmaiarão, definharão de medo. É bem verdade que quando uma pessoa se vê sem o sol, lua e estrelas que brilhavam em sua vida, termina por ficar sem “chão” (... na expectativa dos males que devem sobrevir a toda a terra). Sem céu, sem terra e com os piores demônios que se levantam do mar (“... a aflição e a angústia apoderar-se-ão das nações pelo bramido do mar e das ondas”), a pessoa termina por ficar “suspensa”, sem saída, em angústia E, apavorada, desmaia, perde a consciência como se nocauteada fosse. Não é por acaso que o Senhor nos chama para a prontidão. Sem esperar como se deve o Senhor, mais cedo ou mais tarde encontraremos a angústia em qualquer esquina da vida. A marca da angústia é a falta de confiança na vida, é considerar que nada mais de positivo se fará presente e que o mal triunfará sempre. O angustiado pensa sempre que o tempo bom “já era”, uma vez que até de onde menos se esperava veio a “facada” (“o sol não brilha mais”). Aqui o jogo se torna perigoso! O homem sem esperança pode até achar a esperança, o amor, a caridade, a verdade, a honestidade, a fidelidade e o próprio Deus realidades boas e belas que mereceriam nossa dedicação. Mas, o homem sem esperança acha também que tudo isso e o próprio Deus parecem fracos perante o mal e por isso não mais confia nestas realidades tão belas e boas. Aquele ou aquela sem esperança termina por se dobrar perante o mal, sucumbe, se entrega, não mais reage ao mal, e pode terminar também por praticar o mal como aquele que anseia por desforra, como aquele que busca sempre tirar vantagem mesmo que isso custe sofrimentos aos outros. A vida de pecados, malícia e de más ações se torna uma espécie de sobrevivência porque não mais se acredita na força do bem.
- “Então verão o Filho do Homem vir sobre uma nuvem com grande glória e majestade. Quando começarem a acontecer estas coisas, reanimai-vos e levantai as vossas cabeças; porque se aproxima a vossa libertação” (vv. 27-28).
Os homens, diz o Evangelho, tendem a esperar o pior quando “um sol da vida” some ou para de brilhar. O Evangelho, no entanto, nos diz que aconteça o que acontecer, quando o sol, lua, estrelas e o mar são abalados, é hora de se reanimar e levantar a cabeça para acolher o “Filho do Homem”, sua vontade, executar suas indicações e fazer boas escolhas. É hora de abandonar o mundo velho que se sustentava no sol, na lua, nas estrelas e na tranquilidade do mar.
Há uma boa-nova, uma boa notícia para todos: no olho do furacão o Filho do Homem se faz presente.
É importante conhecer o “Filho do Homem”. Quem é ele? Ele triunfa enquanto os astros – sol, luz, estrelas e forças celestes – se abalam. Quem é ele? É Jesus de Nazaré, o crucificado, o filho de Maria. Ele é o juiz supremo de todas as pessoas, de toda a história da humanidade. Nele temos a verdadeira face de Deus que desmente e desmantela todas as forças do céu, todas as falsas concepções de Deus existentes em nossas mentes e em muitas religiões e filosofias. Ele resiste ao mal com a força do bem. Vence o rancor, o ressentimento e a vingança com o poder do perdão. Perdoa, absolve, solta, liberta o pecador arrependido. Revela que a vida do Eterno ou vida eterna consiste em amar. Acolhe a todos. Vence a morte quando inteiramente se entrega a Deus Pai, quando ama infinitamente a humanidade: vence a morte na cruz. Na cruz manifesta sua glória, pois Deus reina e é glorificado quando seu Filho, o “Filho do Homem”, revela a essência de Deus que é amor, amor sem reservas, amor infinito que doa a vida pelos seus amigos (cf. Jo 15, 13). Ele é o modelo para todos e cada um dos homens e mulheres dessa terra.
Não seremos abatidos quando os “astros” forem abalados e quando o mar vomitar seus demônios. E não seremos abatidos porque reconheceremos o “Filho do Homem” em sua potência e glória. E reconhecê-lo é aceitar a vida que ele viveu, é viver seguindo seu modelo.
- “... levantai as vossas cabeças; porque se aproxima a vossa libertação”. Podemos viver como homens livres e novos em qualquer situação, mesmo na mais das dramáticas. Importa encarar o “amanhã”, as situações, os dilemas, as “saias-justas”, positivamente, isto é, com a certeza de que tudo dará certo, que o bem vencerá. Diante do mal e de noites traiçoeiras, o medo não deve reinar, mas, sim, o desejo do bem, de que o bem triunfará. Considerar a vida positivamente, com confiança inabalável e fé em Deus faz com que as dores de parto gerem a paz e a alegria em nosso meio. Viver como filhos de Deus, imitando o “Filho do Homem”, nos faz livres de cadeias, laços e amarras, nos leva a experimentar uma liberdade jamais pensada, liberdade que serve ao bem, que promove esperança e vida por onde passamos e nas pessoas que encontramos.
Santo Estevão, no meio das “tormentas” e com a cabeça erguida, viu a glória Deus, viu Jesus, o “Homem” (cf. Atos, 7, 55-56). Se eu levanto a cabeça, eu vejo o “Filho do Homem”. Mas se eu prefiro olhar para o meu medo, para o medo de perder isso ou aquilo, se prefiro olhar só e unicamente para o meu interesse, para o meu pesar e lamento, para as mágoas e ressentimentos, só restará a escravidão e as rugas do “velho homem”, nada de libertação. O “Filho do Homem” está entre nós, olhemos para ele, sejamos provas e testemunho de sua presença, de um bem que é mais forte do que todo mal. Disse o “Filho do Homem”: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12, 32); “... o que fizestes a estes meus irmãos menores, a mim o fizestes” (Mt 25, 40). Elevado da terra, Ele estava na cruz poderosamente amando a humanidade; e eu, hoje, amando o mais indefeso dos irmãos, estou olhando para o “Filho do Homem” presente no mais indefeso: elevemos nossas cabeças, olhemos em direção ao “Filho do Homem”, olhemos o olhar dele (que certamente estará olhando o mais indefeso) e, assim, entraremos no Reino novo, em vida nova que tem a marca da liberdade que serve ao bem.
- “Velai sobre vós mesmos, para que os vossos corações não se tornem pesados com o excesso do comer, com a embriaguez e com as preocupações da vida; para que aquele dia não vos apanhe de improviso” (v. 34).
Muitos fazem com o avestruz que diante do perigo procura esconder a face para não ver a ameaça e o mal que se aproximam, vivendo como que num “faz de conta”, tentando dizer a si mesmo que tudo está bem. O mundo está caindo aos pedaços ao nosso redor e até mesmo dentro de nós, e, mesmo assim, podemos fingir que nada está acontecendo. Podemos ir tocando a vida com os “corações pesados”, procurando tapar vazios excedendo no comer e no beber. O entorpecimento é uma fuga da vida. A indiferença, a fuga nos sucessos em cima de sucessos, na ostentação em cima de ostentação, não deixa de ser uma forma de ópio, uma maneira de entender a vida como uma mera ânsia por cada vez mais objetos por consumir. E o “Filho do Homem”, que sempre passa por nós, não é percebido porque, entorpecidos, não levantamos nossa cabeça.
- “Como um laço (aquele dia) cairá sobre aqueles que habitam a face de toda a terra. Vigiai, pois, em todo o tempo e orai, a fim de que vos torneis dignos de escapar a todos estes males que hão de acontecer, e de vos apresentar de pé diante do Filho do Homem" (vv. 35-36).
Nós que habitamos a terra podemos viver numa prisão e nem nos damos conta. Contemplando um idoso feliz e que deixa como herança filhos e netos felizes, podemos bem imaginar que para chegar aonde chegou teve que fazer escolhas acertadas, renunciar tantas coisas e situações possíveis em vista de um bem maior. Certamente ele cuidou de si (“velou”), vigiou e orou. Sejamos sábios, aprendamos a ver e a considerar o “amanhã”, o “futuro”, pois desta maneira não cairmos no laço da ilusão.
Vigiar e orar. Vigiamos quando jamais renunciamos ao desejo maior de nossas almas, quando não damos nossas pérolas aos porcos, quando nenhum objeto ocupa o espaço de Deus e quando nenhum desejo nefasto de outra pessoa se apossa de nós. Faz bem não se entregar cegamente a uma vida desenfreada que vive de fazer pouco caso das pessoas e de se tornar escravos de coisas. Para quem espera o “Filho do Homem”, a novidade será sempre bem-vinda, será o esposo. Para quem não espera e vive “plantado” no seu “euzinho” e olhando só para o próprio umbigo, a queda dos astros que pareceriam brilhar para sempre e a vinda do “Filho do Homem” significarão um lamento: “Oh! não, termina aqui a minha vida”.
Oramos quando enxergamos também durante a noite. O cristão vê a realidade diurna e noturna. Quem não reza enxerga somente fantasias, quimeras, sonhos e delírios de onipotências. Quem reza se faz participante daquela força dos filhos que vivem em comunhão com o Pai