Reflexões periféricas ao redor de um tema central para nós: Penitência/Conversão/Metanoia

Reflexões periféricas ao redor de um tema central para nós: Penitência/Conversão/Metanoia

Tratar dos vícios, convenhamos, é mais interessante que tratar das virtudes. Enquanto tratar das virtudes parece um tanto insípido, tratar dos vícios, é quase delicioso. Não são poucos os viciados no deleite da maledicência. Desse modo, as nossas reflexões seguirão a trilha de três indicações:

1- Pela penitência desta Quaresma, corrigis, ó Pai, os nossos vícios (Prefácio da Quaresma);

2- Depois que o Senhor me deu a mim, Frei Francisco, a graça de iniciar uma vida de penitência ....  saí do mundo (Testamento);

3- São Francisco, por graça do Senhor, iniciou a vida de penitência-conversão, exercitando a misericórdia com os leprosos e levando a termo seu êxodo do mundo (Const. , Cap. VII, N. 109, 4).

Segundo Aristóteles, os vícios são hábitos maus ou hábitos do mal (Ética a Nicômaco).

Para Santo Tomás de Aquino, os vícios são uma oposição à vontade de Deus.

Na idade das luzes, como notou Bernard de Mandeville, os vícios concorrem para o desenvolvimento da indústria e do comércio.  Daí o incentivo que ganhou, nesse tempo, um vício “quente” como a luxúria.

O senso de humor de Chesterton vê no vício uma virtude enlouquecida.

Para Kant, os vícios constituem a expressão de uma tipologia humana ou caracteriologia (há o avarento, o luxurioso, o soberbo, etc).

Segundo a Psiquiatria do século XVIII, os vícios saem do universo moral e teológico e entram naquele da patologia. Os vícios se tornam doenças do espírito, passíveis de tratamento.

Na expressão “corrigis os nossos vícios”, que sentido(s) damos ao verbo corrigir? É muito sugestiva a polissemia desse verbo: emendar(-se), atenuar inconvenientes, reparar injustiças, retificar, castigar.

Como acolhem nossos ouvidos “politicamente corretos” a antiquada e bíblica palavra: “Aos que amo corrijo e castigo” (Apc 3, 19)?

Que remédios temos à disposição para livrar-nos dos vícios individuais? A receita da Igreja prescreve três: a caridade, a oração, o jejum.

E quanto aos vícios coletivos, nos quais estamos imersos (o consumismo, o conformismo, a sexomania, o despudor, a psico-apatia nas suas duas versões: a sociopatia e a psicopatia), haverá uma saída?

A Igreja propõe, como um êxodo possível, a sobriedade, a partilha, a solidariedade, o contentar-se com o mínimo necessário.

Como passar dos atos penitenciais, com suas exterioridades e suas expressões sadomasoquistas, para os bons hábitos penitenciais?

Como entender a conversão/penitência/metanoia, não como mudança de mentalidade ou mudança de vida, mas sim como ultrapassar nosso pensamento habitual, usual, talvez engessado, e ir além do já conhecido (meta-nous)?

Você nunca desconfiou que a proposta para mudar de mente pode ser uma proposta demente? De fato, é possível mudar de mente? Não se trata antes de purificar nossa mente, tomando consciência, por exemplo, que nossos juízos são sempre pre-juízos?

Segundo observou Rubem Alves, a inveja, a luxúria, a avareza são doenças dos olhos.

A inveja, até etimologicamente, confirma esse diagnóstico. Mas a luxúria é também uma doença de quem não vê, em primeiro lugar, o rosto da pessoa, mas o resto... e aí se detém, atendo-se àquilo que os antigos chamavam “delectatio morosa”: demorar-se nos prazeres imaginados que o escondido nos sugere. Já o avarento é aquele indivíduo que olha para tudo pensando logo no dinheiro que daí possa extrair e acumular. Nossas misérias econômicas são produzidas por um sistema exacerbadamente avarento.

Em suma, e talvez seja isso o sumo de nossa re-flexão: Se quisermos receber a graça que ao Senhor aprouver conceder-nos nesta Quaresma, urge admitir que precisamos de sua terna e rigorosa correção.

Autor:
Frei José Edilson Bezerra, OFMCap
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