A Missionariedade Franciscana como expressão de uma atitude missionária

A Missionariedade Franciscana como expressão de uma atitude missionária

“todos os frades preguem com as obras” (RNB 17,3)

A Igreja está profundamente identificada com a sua missão evangelizadora, missão que se realiza no testemunho alegre do anúncio do Evangelho e do mistério de Cristo. No seu desenvolvimento prático, esta missionariedade ganha formas variadas para atender, na caridade, os povos que se tornam os destinatários concretos da evangelização. Para os frades, desde o início, o primeiro impulso missionário foi e ainda é o de viver a vida evangélica na simplicidade, alegria e verdade de coração.

Em seu primeiro século de existência, os frades compreenderam a missão no coração da Ordem essencialmente como a presença afetiva junto aos pobres e desprezados. Percebiam que na condição de pessoas marginalizadas, o Cristo encarnava novamente a sua paixão, e por isso, deveriam ir ao encontro daqueles a quem ninguém, por vontade própria, desejaria ter perto de si. Encontraremos, pois, em nossas Fontes, o convívio com os leprosos e gente desprezada como um dos primeiros apostolados dos Irmãos Menores, inclusive como condição para os que desejassem acolher a nossa forma de vida.

Mas, veremos igualmente que outra parcela dos irmãos, à medida que o movimento franciscano crescia aos milhares, inspirados pelo Espírito Santo, desejaram anunciar o evangelho em regiões não cristianizadas. Estes frades perceberam a missão como a necessidade de levar a mensagem de paz do Cristo pobre e crucificado aos povos islamizados numa época de violenta hostilidade entre cristãos e islâmicos. Diante da força que a cristandade exercia sobre o continente europeu, a presença e a expansão do islã na África em direção à Europa colocou os “sarracenos” na categoria de infiéis, transformando-os em um grupo marginalizado pela religião cristã. O bem-sucedido encontro entre Francisco e o sultão Melek-al-Kamel testemunha como deve ser a nossa atitude frente à diversidade cultural e religiosa que encontraremos em nossa missionariedade nos passos da nossa itinerância franciscana.

Para onde nos aponta as nossas Constituições

A tradição capuchinha nos recorda que o frade deve inserir-se cordialmente no meio do povo, independente das condições sociais das pessoas e não condicionar a ação evangelizadora às seguranças econômicas. De fato, a postura missionária será mais eficaz quanto mais nos aproximarmos do espírito de nosso carisma, certos de que “não podemos realizar nossa missão se não nos renovarmos continuamente na fidelidade à nossa vocação.” (Const. IX, 157,2).

Mesmo quando nos vemos atualmente fundamentalmente inseridos em realidades paroquiais consolidadas, a nossa presença capuchinha nas igrejas a nós confiadas não é impedimento para que encontremos, entre as comunidades locais, condições históricas, religiosas e culturais que clamam por um espírito profético de austeridade e simplicidade evangélica.

Tendo em vista também a pluralidade religiosa que nos envolve, assim como Francisco foi capaz de dialogar com o sultão e acolher como dom de Deus o islã professado por ele, também nós, como quem aspira tornar-se irmão menor, devemos nos relacionar com outras denominações cristãs e com as diversas religiões com respeito e sinceridade, permitindo-nos perceber os sinais da presença de Deus nas diversas culturas ao invés de nos gladiar com doutrinas e equívocos que somente aumentará as feridas históricas. Certamente, podemos encontrar valores em comum que nos são caros e que podem estar à serviço da promoção de mudanças saudáveis para a nossa sociedade, além de favorecer o advento de um mundo novo, o Reino dos céus anunciado por nosso Senhor e irmão Jesus Cristo.

Existem, ainda, outros ambientes que requerem uma nova evangelização. Realidades que no passado foram solidificadas pelo evangelho, mas, com as mudanças de paradigma da modernidade, perderam o sentido da fé. Nestes espaços, nem sempre físicos, a atitude missionária e a ação evangelizadora necessitam do nosso carisma uma vivência marcadamente espiritual. É fácil nos perdemos todos nas crises epocais, pois caminhamos todos às apalpadelas na busca por novos paradigmas que possam sustentar a sociedade contemporânea. Por isso é tão importante que vivamos espiritualmente, para que os valores da tradição franciscano-capuchinha possam despontar como uma luz, uma possível resposta à liquidez de valores em que se dilui a humanidade e para que o nosso testemunho de vida revele ao mundo a face complacente de Deus em meio às preocupações do século.

Algumas possibilidades concretas de missão hoje

Nas últimas décadas presenciamos a polarização ideológica entre diferentes dimensões da vida. Particularmente, na política e na religião, a ética sucumbiu ao acirramento de antigas divergências. Entre um extremo a outro dessas concepções, a melhor postura é encontrar um ponto de equilíbrio no qual se valorize a salvação integral da pessoa. Precisamos nos cuidar para não reduzir o anúncio do evangelho à pura fé e ao culto; mas ter cuidado também para não se entregar completamente aos problemas sociais e às revoluções. (III CPO,8). Como homens da Paz e do Bem, a síntese entre evangelização e promoção da dignidade humana ou direitos humanos deve nos inspirar a partir do Evangelho, através do seguimento de Jesus. Assim, poderemos considerar um “modo franciscano de estar presente nas lutas sociopolíticas, que é feito de intransigência e de fraternidade, de confronto e de espírito de paz. E todos precisam desse testemunho.” (III CPO,22).

Uma nova possibilidade de missão é, com toda certeza, a internet e as redes sociais. O rápido e impressionante avanço tecnológico dos últimos anos proporcionaram enormes desenvolvimentos em diversos campos de serviços, abriu à humanidade novos modos de se relacionar com o mundo e facilidades nunca antes experimentadas na história. Contudo, a sociedade global e cada vez mais interconectada pela internet está se pautando no consumo e no individualismo, enfraquecendo assim, a qualidade dos relacionamentos interpessoais, que se tornaram mais superficiais. Temos muito acesso à informação, mas pouco espaço para o silêncio e para a escuta. O homem e a mulher contemporânea parecem se fechar na imanência, descaracterizando-se do impulso transcendente de nossos sentimentos e ações. A web deve ser ponte, uma teia que nos conecta a todos para nos unir, e não mais uma ferramenta para alienar a vida dos seres humanos e transformá-los em zumbis digitais.

O secularismo que vem avançando sobre o ocidente desde o século passado, assim como outros fenômenos na história humana, também não responde aos anseios das pessoas. Ao mesmo tempo, descobrimos “que cresce a necessidade do mistério e da transcendência” […]. As mudanças culturais alteram também as formas que a pessoa usa para exprimir sua experiência de Deus e seus valores religiosos. O povo sente necessidade do Transcendente. Até há pouco tempo, essa necessidade era expressa em formas institucionais e tradicionais” (V CPO, 3.42). Hoje, este modo contemporâneo de ser no mundo requer de nós, franciscanos capuchinhos, um novo jeito de ser missionário, uma atitude cristã que ajude a sociedade a redescobrir valores perdidos com o tempo e contribuir na fundação de um ethos que responda aos novos anseios da humanidade.

Enfim, como irmãos de uma fraternidade planetária, não podemos deixar de considerar como campo urgente de missão as questões relacionadas ao equilíbrio ecológico da nossa Casa comum – a Terra. O uso abusivo e predatório dos recursos naturais em vista do lucro e do capital financeiro é uma grave preocupação para conservar habitável o planeta que compartilhamos com as demais espécies viventes. Francisco de Assis trazia uma consciência de cuidado e zelo pela criação muito além de seu tempo. Deixou-nos esse legado que devemos continuá-lo por meio de um trabalho de conscientização ecológica e de mudança de mentalidade, por isso, faz-se relevante assumir, franciscanamente, uma atitude pessoal que reduza os efeitos nocivos à natureza. Isso também é atitude missionária.

Autor:
Frei Warley Alves de Oliveira, OFMCap
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