A Regra de Francisco: 800 anos de vida, evolução e sonhos
Do sonho de Francisco nasce a regra: E depois que o Senhor me deu frades, ninguém me ensinava o que deveria fazer, mas o próprio Altíssimo me revelou que deveria viver segundo a forma do santo Evangelho. E eu o fiz escrever em poucas palavras e simplesmente, e o senhor Papa confirmou para mim.[1]
A Regra aprovada pelo Papa Honório III em 29de novembro de 1223, data paradoxalmente de final e início de uma evolução e um sonho: A Regra e vida dos Frades Menores é esta, a saber: observar o santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo vivendo em obediência, sem próprio e em castidade. [2]
A Regra é para Francisco, e para nós, não série de normas e sim estilo de vida que deve estar encarnada na prática da vida cotidiana. Deve gerar homens livres que colocam a sua liberdade a serviço. Francisco não doa um “texto”, e uma vivência do Evangelho para crentes e não crentes...
Na verdade, é um guia para vivera liberdade, a fraternidade e a minoridade. Assim, onde quer que estão e se encontrarem os frades, mostrem-se familiares mutuamente entre si. E com segurança manifeste um ao outro a sua necessidade, porque, se a mãe ama e nutre o seu filho (cfr. 1Ts 2,7) carnal, quanto mais diligentemente deve cada um amar e nutrir seu irmão espiritual?[3]
Mãe, enfermo, cuidado ações diretas não midiáticas, contato gente com gente onde temos uma experiência do amor de Deus sobre os frades, exposto em frases domésticas e cotidianas. Sinal de serviço de minoridade e simplicidade: Mas os ministros os recebam caritativa e benignamente e tenham tanta familiaridade com eles que possam falar-lhes e agir como senhores com seus servos, mas atendam a que sobre todas as coisas devem desejar ter o Espírito do Senhor e sua santa operação.[4]
Sempre esperar no Senhor. Nada de abstrato estão nas palavras da Regra, é tudo bem concreto e realizável. Amar o irmão, amar até os inimigos: aconselho, porém, admoesto e exorto meus frades no Senhor Jesus Cristo que, quando vão pelo mundo, não litiguem nem contendam com palavras (cfr. 2Tm 2,14), nem julguem os outros; mas sejam amáveis, pacíficos e modestos, mansos e humildes, falando a todos honestamente, como convém.[5]
A regra nos transforma em homens de paz: uma saudação me revelou o Senhor, que disséssemos: O Senhor te dê a paz (cfr. 2Ts 3,16).[6] Por isso, rogo a todos vós, irmãos, com o beijo dos pés e com a caridade que posso, que manifesteis toda reverência e toda honra, tanto quanto puderdes, ao santíssimo corpo e sangue do Senhor nosso Jesus Cristo, em quem as coisas que estão no céu e as que há na terra foram pacificadas e reconciliadas com o Deus onipotente (cfr. Cl 1,20).[7]
Hoje a Regra nos inspira, como diz Vouchez, emtrês temas que nos interpela: sobre a pobreza, o poder e o anúncio doEvangelho. Francisco desde sempre garantiu que a vida dos frades é e seráobservar o Santo Evangelho. Portanto estes 800 anos, ontem como hoje, devemosser homens de paz, irmãos e menores.
A Regra é hoje tanto atual como no 29 de novembro de 1223, pois é guia, símbolo e sinal de um modo de vida que nos impulsiona a trazer presente o Cristo Encarnado, Crucificado e Vivo cada na Eucaristia. Encarnado em nossas ações, vida e presenças. Como nos recorda a regra no décimo capítulo, onde garante que todos somos irmãos e não há superiores ou súditos, o Pai celeste nos garante a fraternidade e minoridade que é no mundo do Reino, garantindo que entre os frades vivêssemos a misericórdia: E nisto quero conhecer se tu amas ao Senhor e a mim, servo seu e teu. se fizeres isto, a saber: que não haja nenhum frade no mundo, que tenha pecado tanto quanto puder pecar, que, depois que tiver visto teus olhos, nunca se retire sem a tua misericórdia, se buscar misericórdia. E se não buscar misericórdia, que tu lhe perguntes se quer misericórdia.[8]
E segue a Regra: Mas admoesto e exorto no Senhor Jesus Cristo que se guardemos frades de toda soberba, vanglória, inveja, avareza (cfr. Lc 12,15), cuidado e solicitude deste século (cfr. Mt 13,22), detração e murmuração, e não cuidemos que não sabem letras de aprender letras; mas atendam a que sobre todas as coisas devem desejar ter o Espírito do Senhor e sua santa operação, orar sempre a ele de coração puro e ter humildade, paciência na perseguição e na enfermidade e amar os que nos perseguem e repreendem e acusam, porque diz o Senhor: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem e caluniam (cfr. Mt 5,44). 11 Bem-aventurados os que sofrem perseguição pela justiça, porque deles é o reino dos céus (Mt 5,10). Mas o que perseverar até o fim, esse será salvo (Mt 10,22).[9]
Como tentativa de conclusão recorremos a admoestação III, em que nos exorta a obediência, sobre a Regra e uns aos outros como verdadeiros irmãos do movimento de Assis. Pois essa é a obediência caritativa (cf. 1Pd 1,22), que satisfaz a Deus e ao próximo. Mas se o prelado ordenar alguma coisa contra a sua alma, ainda que não lhe obedeça, todavia não se separe dele. E se por isso sofrer perseguição de alguns, ame-os mais por Deus. Pois o que prefere sofrer perseguição a separar-se de seus irmãos, permanece de verdade na obediência perfeita, porque dá sua vida (cf. Jo 15, 13)por seus irmãos. Pois há muitos religiosos que, com a desculpa de que veem coisas melhores do que as mandadas por seus prelados, olham para trás (cf. Lc9,62) e voltam ao vômito (cf. Pr 26,11; 2Pd 2,22) da própria vontade; estes são homicidas e, por seus maus exemplos, põem a perder muitas almas.[10]
A regra é mais que um escrito de Francisco, um texto com Francisco, onde o autor se intermedia com os coautores, para garantira autenticidade do carisma e da instituição. Assim passados 800 anos é para nós coautores da Regra um privilégio participar deste texto que não está estática no passado, mas é luz para o futuro, na construção de uma sociedade e uma Igreja realmente fraterna e misericordiosa, portadora da Paz que é Deus.
[1] Test 14-15.
[2] RegB I,1.
[3] RegB VI, 7-8.
[4] RegB X,5.8.
[5] RegB III,10-11.
[6] Test 23.
[7] CtOrd, 13.
[8]CtaMin 9-10.
[9]RegB X,7-12.
[10]Adm III,6-11.