Homilia Dominical - XXX Domingo Comum

Homilia Dominical - XXX Domingo Comum

Bartimeu é um nome que significa “filho da honra” no sentido que sentia pulsar em suas veias o desejo de receber honras e privilégios. Grita como um endemoniado a fim de que Jesus tenha piedade dele e lhe faça alcançar tais honras e privilégios. Jesus percebe que por detrás daquela busca mundana se esconde algo mais e melhor, pois, afinal, todo homem foi criado à imagem e semelhança de Deus que é luz e amor. Jesus não vai ao seu encontro, mas o chama. Ele obedece ao chamado. Aqui as coisas mudam: obedecendo à Palavra que o chama, ele larga tudo (coisas e concepções), não chama mais a Jesus de “filho de Davi” (Messias que esmaga os adversários), mas de Rabôni que significa “Meu Senhor”. Jesus se torna Senhor dele. Jesus passa a reinar em sua alma. Bartimeu não pedirá mais honras e privilégios, mas “luz”, um olhar que olha para o alto. Bartimeu se tornará iluminado, seguirá a Jesus pelo deserto e entrará com Ele em Jerusalém. Com seu olhar para o alto, para a verdade das coisas, compreenderá o mistério da paixão, morte e ressurreição.

Nesta terra, só vive bem e em paz quem consegue saborear o mistério da paixão, do aparente fracasso da vida marcada também pela velhice, pelas enfermidades, por tantas injustiças e por tantos reverses. Bartimeu fez sua travessia com o olhar voltado para o alto. Façamos também a nossa travessia, peçamos luz, um olhar que olha para além do horizonte dos anos que passam e para além da busca de uma justiça qualquer.

- “Chegaram a Jericó. Ao sair dali Jesus, seus discípulos e numerosa multidão, estava sentado à beira do caminho, mendigando, Bartimeu, que era cego, filho de Timeu” (v. 46). O filho de Timeu, Bartimeu, estava completamente instalado e sentado em Jericó. Lá vivia em sua cegueira. Lá vivia sentado à beira do caminho. Lá sobrevivia pedindo esmolas com seu manto. E, assim, todo homem e toda mulher vem a este mundo e se instala na própria “Jericó”: nasce, conhece e imita pai e mãe, estuda, sonha, casa, tem filhos, trabalha, opina, busca sentido numa filosofia de vida, numa religião, enfrenta tribulações e, às vezes, supera e, às vezes, não supera. Instalado na própria “Jericó” também quer dizer que podemos viver arrastados pela pressa, pelas ocupações da vida, por manias de grandeza, aplausos e títulos, bajulando e mendigando poderes dos poderosos, nos tornado verdadeiros “Bartimeus”, isto é, filhos de “Timeu”, filhos, mendigos, pedintes e escravos de grandezas, deferências, apreços, distinção, destaque, homenagens, glória, fama, reputação, privilégio bajulação, regalias, direito, vantagens, prerrogativas, títulos honoríficos, cargos, posição de destaque. Ritual de uma vida que não consegue dar passos, que não se põe à caminho, mas que estaciona na beira da estrada e que se acontenta em receber “migalhas e trocados” que possibilitam sobreviver e manter uma vida meramente biológica, não uma vida digna de um homem: “As torrentes não poderiam extinguir o amor, nem os rios o poderiam submergir. Se alguém desse toda a riqueza de sua casa em troca do amor, seria tratado com desprezo” (Cânt 8, 7).

- Ouvir falar de “Jericó” nos lembra da quase impossibilidade do povo de Deus, liderado por Josué, de conquistar esta cidade (cf. Jos 6). Jericó é símbolo de uma cegueira que impede o homem de adentrar na terra prometida. Não é que o cego não enxergue, é que ele enxerga a escuridão, troca a família por aventuras, acha que dinheiro seja mais importante do que os filhos, não vê nenhum sentido quando chega uma tribulação, considera que só valem as pessoas que possuem, confunde felicidade com prazer, etc. Faz bem à saúde espiritual reconhecer a própria cegueira, reconhecer que só vemos a luz, a verdade das coisas e das situações, o que é justo, o certo, na luz de Deus (“Na tua luz veremos a luz” – Sl 36).

- “Sabendo que era Jesus de Nazaré, começou a gritar: "Jesus, filho de Davi, tem compaixão de mim!" (v. 47). Bartimeu reconhece sua cegueira. Como ele, somos convidados a reconhecer que somos cegos, que há um “mundo”, uma realidade que desconhecemos. Sejamos humildes e busquemos luz, novo nascimento. Reconheçamos que ainda não seguimos o Mestre, mas vivemos sentados à beira do caminho, não avançamos rumo ao sentido maior da vida enquanto parados estamos à margem da vida.

Bartimeu era um pedinte, pedia dinheiro, honras e privilégios. Um dia deixou de pedir dinheiro, honras e privilégios. “O pulso ainda pulsa” e enquanto houver vida há esperança, pois o coração do homem foi feito para o Infinito (cf. Ecle 3, 11). A beleza da presença de Jesus fez com que Bartimeu deixasse de pedir aquelas coisas e passasse a pedir luz para seus olhos, um novo sentido para viver, uma nova maneira de entender a vida. Reconhecer nossa cegueira é o primeiro passo para a superação de toda ignorância da vida. Bartimeu, ouvindo e sabendo que Jesus pela sua estrada passava, começou a gritar com insistência: “Jesus, filho de Davi, tem compaixão de mim!”. Bartimeu chama a Jesus pelo nome próprio: “Jesus”. Chamar alguém pelo próprio nome é sinal de familiaridade, proximidade: se faz próximo a Jesus. Sabemos que o nome “Jesus” é o nome de Deus que salva (“Javé salva”). Chamar “Jesus” é invocar a salvação de Deus ou sua ação salvadora. Somente quem precisa de salvação, e reconhece que precisa, é capaz de “gritar” por tal nome, tal pessoa, Jesus. E quem precisa de salvação é quem se vê perdido, se vê num abismo de trevas que precisa de uma grandeza de luz, de um “abismo” de luz (“Abismo chama abismo” – Sl 42): dependendo da fome se pede certa quantidade de comida. Para Aquele que salva, Bartimeu grita, revelando a própria verdade: “... tem piedade de mim”, isto é, alivia meu sofrimento, minha dor, a agonia de uma vida que se esvai no tempo cruel que não perdoa, mas que só nos envelhece ao passar dos dias. Bartimeu descobriu-se pedinte de Deus, não mais de dinheiro, honras e privilégios, mas de luz, satisfação e sentido. Por isso o seu grito não se pôde abafar. Bartimeu gritando não se continha mesmo diante de ordens de silêncio por parte dos discípulos de Jesus.

- “Jesus, tem piedade de mim”, grita Bartimeu. Rendeu-se Bartimeu. Diante de Jesus se descobre insuficiente, faltoso, em falta.  Precisar de “piedade” é necessidade de alívio e refrigério. O grito de Bartimeu é um grito para fora de si, é um apelo a uma outra pessoa, a Jesus. Bartimeu gritando pede proximidade do Senhor: pede o seu amor, a vida, o sentido do viver.

- “Muitos o repreendiam, para que se calasse, mas ele gritava ainda mais alto: ‘Filho de Davi, tem compaixão de mim!’” (v. 48). Tenhamos cuidado para que no afã de nossas preocupações com coisas “importantes” não terminemos por abafar a verdadeira preocupação, o desejo maior que cada um de nós carrega consigo. De fato, os discípulos estavam mais preocupados com o destino da viagem que seria Jerusalém e quem assumiria o poder por lá, quem sentaria a direita e à esquerda do Messias. Não somente as más companhias, a pressa de cada dia, a preocupação com a sobrevivência ou o ambiente podem abafar dentro de nós o nosso grito por reconciliação com Deus, conosco próprio e com o próximo, pois dentro de nós mesmos há também muito barulho e vozes de medo, de preguiça espiritual que dizem: “deixa para lá”, “deixa para depois”, “deixa quieto”, “é assim mesmo”. Estas são vozes nefastas tendem a abafar o pedido (o grito) de ajuda que se dirige ao Senhor.

- “Jesus parou e disse: ‘Chamai-o’’’ (v. 49). Uma mera fala não chama tanto a atenção, mas um grito sempre causa espanto. De fato, O grito que não desiste consegue parar a “misericórdia que é Jesus”, e, de fato, Jesus parou. Bartimeu é convocado pela comunidade a ir ao encontro de Jesus que o chama. Será que ele irá? Importa que o homem vá, se desaloje, se desinstale do seu esquema já estabelecido. Os discípulos de Jesus pedem que Bartimeu tenha coragem, levante-se, e entenda-se como chamado por Deus. Pedindo que Bartimeu tenha coragem, a comunidade pede que Bartimeu tenha fé para poder resistir às tribulações que virão, pois viver enxergando a luz não é para acomodados. Levantando-se, Bartimeu faz o esforço de deixar para trás o seu “lugarzinho de estimação”, é convocado a sair da morte para entrar na vida, viver como ressuscitado, como uma pessoa chamada por Jesus a levar uma vida digna de um homem. Chamado por Deus, Bartimeu descobre que Deus tem interesse por ele.

- “Lançando fora a capa, o cego ergueu-se dum salto e foi ter com ele” (v. 50). Naquela época o manto para um mendigo significava a própria sobrevivência (cf. Ex 22, 26). O manto servia como coberta para o frio da noite, servia também como colchão, como veste, como uma espécie de casa no qual se recolhia quando chegava a noite. O manto servia para recolher os trocados que se ganhava na mendicância. O manto era a vida de Bartimeu. O fato de Bartimeu jogar fora o manto ao se dirigir a Jesus significa tanto: para encontrar Jesus se desfaz de sua “riqueza”, das suas estratégias de mendigar poder, fama e luxo, daquela segurança e apoio que servia como um “deus” para ele. Um “manto” é muito perigoso, pode se tornar uma gaiola, uma prisão: pode ser por causa dele que estejamos cegos. Não será que o nosso manto ocupa o lugar de Deus? Não é verdade que às vezes dizemos “sem isto ou aquilo eu não vivo?”.  

Há uma chamada e há uma resposta: Jesus manda chamar Bartimeu, e este responde. Bartimeu seguiu aquela voz que o chamava, foca de tal maneira naquele que o chama que joga fora tudo, o manto, a vida de pedinte de poder, os trocados que recebia a preço de bajulações, toda ideologia, a própria vida, toda proteção que o deixava cego. Caminha por uns metros às cegas e não tropeça em ninguém, pois focado estava naquele que o chamara. Bartimeu tomou uma decisão e se desvencilhou de tantos e de tantas coisas.  

- “Jesus, tomando a palavra, perguntou-lhe: ‘Que queres que te faça?’ ‘Rabôni’ (Meu Senhor), respondeu-lhe o cego, que eu veja!” (v. 51). Bartimeu sabe pedir, pois pede luz para sua cegueira. Como é lastimável encontrar um idoso arrependido por ter vivido como se cego fosse. Não viveu agradecido, nem reconheceu o amor dos seus pais, esposa e filhos. Não criou bons vínculos com ninguém, mas viveu num jogo vicioso de mentiras, enganos e “faz de conta”. Viveu só para se apegar a coisas sem nem mesmo desfrutá-las. Pedir a luz para Jesus  e recebê-la é encarar a vida, a realidade com os olhos de Deus para poder bem viver, para não estragar a vida, nem a si e nem as pessoas com as quais se convive. É nascer de novo, se tornar filhos livres porque com esta luz e olhos para o alto vemos que o Senhor nos ama, que somos filhos amados e irmãos entre nós. Com o olhar iluminado e erguido para o alto, Bartimeu estará pronto para entrar em Jerusalém e enxergar a “glória” do Filho de Deus que nos ama “até não poder mais” no alto da cruz: eis a vitória sobre a morte, pois só o amor é mais forte do que a morte.

- “Jesus disse-lhe: ‘Vai, a tua fé te salvou’. No mesmo instante, ele recuperou a vista e foi seguindo Jesus pelo caminho" (v. 52). A fé salvou Bartimeu, deixou-o salvo e enxergando. A fé no seu Senhor (Rabôni) fez com que Bartimeu seguisse ao Senhor pelo caminho. Só um olhar que olha para o alto consegue seguir o caminho do Filho, entrar em Jerusalém, viver a semana santa, receber os méritos da paixão, morte e ressurreição.  

Autor:
Frei João Santiago, OFMCap
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