Sob o signo da caridade: A amizade entre o Frade e o Arcebispo e o serviço-dignidade
Irmãs e irmãos: paz e bem!
Estamos fazendo uma caminhada para conhecer melhor o “Irmão de todos”, o Servo de Deus Frei Gabriel de Frazzanò. Já sabemos que ele foi um Frade Capuchinho missionário e que, acolhendo ao chamado de Deus, veio para Minas Gerais em 1936. Ele integrou a segunda turma de missionários Capuchinhos vindos de Messina, que aqui aportaram para viver o Santo Evangelho junto ao nosso povo mineiro. Sabemos, inclusive,que eles acolheram o pedido do então bispo de Uberaba, Dom Frei Luiz Maria de Santana, OFMCap. Desde os nossos últimos encontros estamos lembrando o período em que Frei Gabriel de Frazzanò viveu e trabalhou em Uberaba. Hoje damos mais um passo neste caminho junto com o “Apóstolo da Caridade”.
Sob a palavra caridade e revestido desta virtude, Frei Gabriel se apresentava, aqui e acolá, no bairro do Fabrício, seja buscando os doentes, consolando os tristes, criando e animando as iniciativas em favor dos pobres e carentes. A caridade foi a tônica dominante na sua vida e no seu apostolado.
O poeta brasileiro Augusto dos Anjos (1884–1914), dentre seus escritos característicos, escreveu alguns versos, que diríamos, pode traduzir a “caridade” de Frei Gabriel.
“No universo a caridade
Em contraste ao vício infando,
É como um astro brilhando
Sobre a dor da humanidade!
Semeadora de carinhos
Ela abre todas as portas
E no horror das horas mortas
Vem beijar os pobrezinhos.
Torna as tormentas mais calmas
Ouve a solução do mundo
E dentro do amor profundo,
Abrange todas as almas.”
Mas entre as muitas lembranças dos gestos deste Servo de Deus, vejamos essa: Frei Gabriel era muito amigo de Dona Lilia, ou melhor, Dona Maria Cândida do Amaral Costa, mãe de Dom Alexandre Gonçalves do Amaral, 4º Bispo e 1º Arcebispo de Uberaba. Quando o frade vinha a Uberaba trazia-lhe sempre algum agrado: um queijo, alguns ovos etc.
Vendo que Frei Gabriel tinha um hábito muito rasgado, velho, ela resolveu dar-lhe o dinheiro para que ele comprasse o pano e mandasse fazer um outro mais novo. Mas acontecia que Frei Gabriel pegava o dinheiro e aplicava-o para os pobres, em Frutal, e ficava com o velho hábito. Sabendo disso, Dona Lilia resolveu, então, ela mesma, comprar e fazer-lhe o hábito. Assim foi até a morte dela. Depois Dom Alexandre continuou dando-lhe “religiosamente” o pano.
Sabendo do falecimento de Dona Lilia, que se deu no dia 26 de março de 1971, Frei Gabriel estava numa fazenda de Frutal e pegou logo um caminhão e veio para Uberaba. Fez ele todo o velório, noite inteirinha, na capela do Colégio de Nossa Senhora das Dores. Permaneceu sempre ao lado do caixão, rezando o Santo Terço. Este fato deixou Dom Alexandre impressionado.
Nas reuniões da “Caritas” Diocesana, Frei Gabriel representava Frutal em Uberaba. Depois da distribuição do material a ser ofertado às famílias carentes e depois dos avisos, Dom Alexandre pediu, de uma vez, a Frei Gabriel que cantasse a canção italiana “Mama, sono tanto Felice” para alegrar mais a parte recreativa da reunião.
O Capuchinho humildemente relutou, pois não era um cantor. Mas, com a insistência do Arcebispo, acabou abrindo a boca e cantou a velha canção italiana. E para ele o canto, aquele canto, estava cheio de saudade e de sentimento filial. A assistência ovacionou-o com muitas palmas e Dom Alexandre o felicitou paternalmente. Ele cantou com a voz que tinha, apenas para obedecer na sua simplicidade. Não foi obra de arte, mas ato de pronta obediência religiosa.
Na Itália, terra natal de Frei Gabriel, precisamente em Turim, São José Cotolengo fundou, há muitos anos, uma casa extraordinária. Aberta aos doentes sem recursos, aos enfermos paralíticos, aos incuráveis, aos anormais, animada por muitas famílias religiosas que se dedicavam na assistência geral – esta “casa do milagre” (como foi chamada por um Papa) só vivia e ainda sobrevive de ofertas populares diárias. Em vez de amontoar recursos para o porvir, a entidade multiplicava em outros lugares as fundações beneficentes, pois alhures havia também outros necessitados. O milagre da subsistência material da casa de Cotolengo foi muito citado na literatura católica e durou até nós. Durou como exemplo, como durou para a viúva de Sarepta o aparecimento do alimento e “a vasilha de farinha não se esvaziou e a jarra de azeite não acabou, conforme a predição que o Senhor fizera por intermédio de Elias” (1Rs17,15).
Frei Gabriel nas conversas com os amigos fazia sempre alusão a essa obra assistencial italiana. E admirado mostrava sua disposição em imitar, na medida das suas forças, tamanha maravilha. Já em Uberaba, começou ele na Paróquia de Santa Teresinha a assistência social aos pobres, sempre de acordo com as determinações do vigário. Vale recordar o já relatado “Natal dos Pobres”.
Mas foi em Frutal que o Frade feito todo caridade, “Irmão de todos”, encontrou o campo e tempo propícios para tornar-se um “outro” Cotolengo, vivendo, agindo e edificando unicamente por conta da Divina Providência. E proferia sempre a frase da fé e da esperança diárias: - “Deus envia tudo.”
E tudo quanto ele fez para e por meio da pobreza, em Uberaba e em Frutal, não foi obra de Deus? Só podia ser, em vista das precariedades e das fraquezas da parte humana e das inúmeras dificuldades que surgiam de todos os lados.
Frei Gabriel não teve nenhuma doutrina ou espiritualidade especial, fora a do Santo Evangelho e, sendo herdeiro da Espiritualidade Franciscano-Capuchinha, a fiel observância da Regra de São Francisco. Amou a simplicidade, o trabalho e o sacrifício, dedicou-se no serviço aos irmãos da comunidade. Ele sempre se pôs a serviço. Obedeceu irrestritamente ao conselho de Jesus, seu Divino Mestre: “Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos” (Marcos 9, 34).
Segundo o verbete do dicionário, servo significa, em primeiro lugar, aquele que está a serviço, assalariado por alguém. De início este “serviço” é mais o serviço doméstico, limitado, para depois tomar mais ampla significação e repercussão, com a de assistência social, eclesial etc. Cristo assegurou que a humildade é condição necessária para o serviço. “Quem é o maior, aquele que está à mesa ou aquele que serve? Não é aquele que está à mesa? Ora, eu estou nomeio de vós como aquele que serve” (Lc 22, 27). E Cristo não só falou, mas o praticou. Basta lembrarmo-nos do gesto do Lava-Pés, depois de cingir-se com atoalha, na posição característica de quem é o servo, se abaixa e dá o exemplo e o testemunho. Tal costume foi conservado na era apostólica, e posteriormente nas comunidades monásticas, nas residências particulares, nos templos e casas paroquiais. No Cristianismo ninguém se envergonhava de servir o irmão.
O Servo de Deus Frei Gabriel de Frazzanò foi educado na espiritualidade do serviço-caridade, do serviço-dignidade. Era uma honra para ele imitar assim a Cristo Senhor que se coloca à serviço dos necessitados e nenhuma riqueza poderia pagar tal sacrifício, que se tornava satisfação pessoal e maravilha social.
Durante os anos de sua vida, e aqui fazendo um recorte nos anos que passou em Uberaba, Frei Gabriel sempre se colocou ao dispor da comunidade. Ele não julgava, mas servia. Ele não discutia, mas ajudava. Ele não tinha eloquência de palavras, mas abundância de ações humildes. Ele não cuidava dos pobres com finalidade lucrativa, seja para ganhar dinheiro e posição social, mas com razões superiores que as almas medíocres não entendem.
Para encerramos este nosso encontro, recordamos aqui a décima sétima Admoestação escrita por São Francisco de Assis: “Bem-aventurado o servo (Mt 24, 46) que não mais se exaltado bem que o Senhor diz e opera através dele do que diz e opera por meio de outro. Peca mais o homem quando quer receber de seu próprio do que quando não quer dar de si ao Senhor Deus” (Adm. XVII). Frei Gabriel, educado na escola da humildade e minoridade franciscanas, se coloca como um irmão ao serviço dos irmãos, para que todos louvem o Pai celeste.
Por hoje ficamos por aqui. Que a vida do Servo de Deus Frei Gabriel de Frazzanò nos sirva de exemplo para que possamos nos comprometer a fazer o bem, a ajudar os empobrecidos e os doentes.
Que Deus abençoe a todos.
Paz e bem!
Foto de Capa: Frades e Dom Alexandre - Uberaba, MG, 1946
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Frei Vicente da S. Pereira, OFMCap
Frei Glaicon G. Rosa, OFMCap
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Obs.: Pedimos às pessoas de Uberaba que se tiverem alguma lembrança, de algum fato, alguma história ou alguma foto do Servo de Deus Frei Gabriel, que entre em contato conosco pelo e-mail: freigabriel@capuchinhosmg.org.br.