Texto Original
Caput IV
Qualiter a leprosis coepit vincere seipsum et sentire dulcedinem in his quse prius erant sibi amara.
11.
1 Cum autem quadam die Dominum ferventer oraret, responsum: est illi: “Francisce, omnia quae carnaliter dilexisti et habere desiderasti oportet te contemnere ac odire si meam vis agnoscere voluntatem.
2 Quod postquam inceperis facere quae tibi prius suavia et dulcia videbantur erunt tibi importabilia et amara, atque in his quae prius horrebas hauries magnam dulcedinem et suavitatem immensam”. `
3 Gavisus ergo in his et in Domino confortatus, cum prope Assisium equitaret, leprosum quemdam obvium habuit.
4 Et quia consueverat multum horrere leprosos, vim sibimetipsi faciens descendit de equo et obtulit illi denarium osculans sibi manum.
5 Et accepto osculo pacis ab ipso reascendit equum et prosequitur iter suum.
6 Exinde coepit magis ac magis seipsum contemnere donec ad sui victoriam perfecte Dei gratia perveniret.
7 Post paucos autem dies, assumens multam pecuniam ad hospitale leprosorum se transtulit, et congregans omnes simul dedit cuilibet eleemosynam osculans eius manum.
8 Recedente autem eo, vere quod prius sibi erat amarum, id est de leprosis videndis et tangendis, in dulcedinem est conversum.
9 In tantum enim, ut dixit, amara ei fuerat visto leprosorum, ut non solum nollet eos videre sed nec eorum habitaculis propinquare,
10 et si aliquando contingebat ipsum iuxta domos eorum transire aut eos videre, licet pietate moveretur ad faciendum eis eleemosynam per interpositam personam, vultum tamen semper avertens nares suas propriis manibus obturabat.
11 Sed per Dei gratiam ita factus est leprosorum familiaris et amicus, quod, sicut in testamento suo testatur, inter illos manebat et eis humiliter serviebat.
12.
1 Alteratus autem post leprosorum visitationem in bonum, quemdam socium suum quem multum dilexerat ad loca remota secum ducens, dicebat illi se quemdam magnum et pretiosum thesaurum invenisse.
2 Exultat vir ille non modicum et libenter vadit cum illo quotiens advocatur.
3 Quem Franciscus ad quamdam cryptam iuxta Assisium saepe ducebat, et ipsam solus intrans sociumque de thesauro habendo sollicitum foris relinquens, novo ac singulari spiritu perfusus Patrem in abscondito exorabat (cfr. Mat 6,6), cupiens neminem scire quid ageret intus, praeter solum Deum quem de caelesti thesauro habendo assidue consulebat.
4 Quod attendens humani generis inimicus ipsum ab incepto bono retrahere nititur ei timorem incutiens et horrorem.
5 Nam quaedam mulier erat Assisii gibbosa deformiter quam daemon, viro Dei apparens, sibi ad memoriam reducebat, et comminabatur eidem quod gibbositatem illius mulieris iactaret in ipsum nisi a concepto proposito resiliret.
6 Sed Christi miles (cfr. 2Tim 2,3) fortissimus, minas diaboli vilipendens, intra cryptam devote orabat ut Deus dirigeret viam (cfr. Gen 24,40) suam.
7 Sustinebat autem maximam passionem et anxietatem mentis, non valens quiescere donec opere compleret quod mente conceperat, cogitationibus variis invicem succedentibus quarum importunitas eum durius perturbabat.
8 Ardebat enim interius igne divino, conceptum mentis ardorem deforis celare non valens, poenitebatque ipsum peccasse tam graviter nec iam eum mala praeterita vel praesentia delectabant, nondum tamen receperat continendi fiduciam a futuris.
9 Propterea cum extra cryptam exibat, ad socium mutatus in virum alterum (cfr. 1Re 10,6) videbatur.
Texto Traduzido
Caput IV
Como começou com os leprosos a vencer a si mesmo e sentir a doçura do que antes lhe era amargo.
11.
1 Certo dia, estando a orar com mais fervor, foi-lhe respondido: - “Francisco, se quiseres conhecer a minha vontade, deverás desprezar e odiar tudo o que carnalmente amaste e desejaste possuir.
2 Depois que começares a fazer assim, as coisas que antes te pareciam suaves e doces serão para ti insuportáveis e amargas, mas das que te causavam horror, poderás haurir uma grande doçura e uma suavidade imensa”.
3 Contente com isso e confortado no Senhor, certa vez indo a cavalo perto de Assis, veio-lhe ao encontro um leproso.
4 E como se acostumara a ter muito horror aos leprosos, fez violência a si mesmo , desceu do cavalo e lhe deu uma moeda, beijando-lhe a mão.
5 Após ter recebido dele o beijo da paz, montou a cavalo e prosseguiu seu caminho.
6 Desde então começou a desprezar cada vez mais a si mesmo, até conseguir, pela graça de Deus, a mais perfeita vitória sobre si mesmo.
7 Poucos dias depois, levando muito dinheiro, transferiu-se para o leprosário, e, juntando todos, deu a cada um uma esmola, beijando-lhes a mão.
8 Quando foi embora, verdadeiramente o que lhe era amargo, isto é, ver e tocar os leprosos, convertera-se em doçura.
9 Tanto que, como contou, para ele fora amarga a visão dos leprosos, de modo que não só não os podia ver, mas se aproximar de suas casas.
10 e, se por alguma vez acontecesse de passar perto de suas casas ou de vê-los, virava o rosto e tapava o nariz com as mãos, muito embora, movido por piedade, lhes mandasse esmolas por intermédio de outra pessoa.
11 Mas, por graça de Deus, tornou-se tão familiar e amigo dos leprosos, que, como ele mesmo afirma no Testamento, ficava entre eles e humildemente os servia.
12.
1 Mudado para melhor depois da visita aos leprosos, levando a lugares remotos um seu companheiro a quem queria muito bem, dizia-lhe que tinha encontrado um tesouro grande e precioso.
2 O homem exultou na pouco, e ia com ele sempre que o chamava.
3 Francisco levava-o muitas vezes a uma certa cripta perto de Assis e, deixando fora o companheiro, preocupado com o tesouro que teria, entrava sozinho, e, invadido por um espírito novo, orava no escondido ao Pai, não querendo que ninguém soubesse o que fazia lá dentro, a não ser só Deus que consultava assiduamente sobre o tesouro celeste que devia ter.
4 Vendo isto, o inimigo do gênero humano tentava tirá-lo do bom caminho começado, incutindo-lhe temor e horror.
5 Havia em Assis uma mulher deformemente corcunda e que o demônio, aparecendo ao homem de Deus, lhe trazia à mente e ameaçava transferir para ele a gibosidade daquela mulher se não desistisse do propósito concebido.
6 Mas o fortíssimo soldado de Cristo, desprezando as ameaças diabólicas, orava dentro da cripta para que Deus guiasse seu caminho.
7 Suportava, porém, uma grande paixão e ansiedade de espírito, não conseguindo sossegar enquanto não cumprisse o que concebera, com uma porção de pensamentos que se sucediam, cuja importunidade perturbava-o duramente.
8 Ardia interiormente em um fogo divino, não conseguindo ocultar por fora o ardor concebido na mente. Arrependia-se de haver pecado tão gravemente e já não lhe agradavam os males passados ou presentes, pois não tinha alcançado ainda a confiança de dominar-se das coisas futuras.
9 Por isso, quando saía da cripta, parecia ao companheiro que estava mudado em um outro homem.