Texto Original
Caput V
De prima allocutione Crucifixi ad ipsum et qualiter ex tunc portavit in corde passionem Christi usque ad mortem.
13.
1 Quadam vero die, cum misericordiam Domini ferventius imploraret, ostendit illi Dominus quod sibi diceretur in proximo quid ipsum agere oporteret.
2 Ex tunc autem tanto repletus est gaudio (cfr. Ps 125,2), quod non se capiens prae laetitia, etiam nolens, de huiusmodi secretis aliquid in aures hominum eructabat.
3 Caute tamen et in aenigmate loquebatur, dicens se in Apuliam nolle ire sed in patria propria nobilia et ingentia se facturum.
4 Ut autem socii eius viderent eum ita mutatum, a quibus iam erat elongatus mentaliter licet adhuc corporaliter aliquando sociaretur eisdem, quasi ludendo rursum interrogant eum: “Visne uxorem ducere, Francisce?”.
5 Quibus respondit sub quodam aenigmate, sicut superius est praemissum.
6 Paucis autem diebus elapsis, cum ambularet iuxta ecclesiam Sancti Damiani, dictum est illi in spiritu ut in eam ad orationem intraret.
7 Quam ingressus coepit orare ferventer coram quadam imagine Crucifixi, quae pie ac benigne locuta est ei dicens: “Francisce, nonne vides quod domus mea destruitur? Vade igitur et repara illam mihi”.
8 Et tremens ac stupens ait: “Libenter faciam, Domine”.
9 Intellexit enim de illa ecclesia sibi dici, quae prae nimia vetustate casum proximum minabatur.
10 De illa autem allocutione tanto fuit repletus gaudio et lumine illustratus, quod in anima sua veraciter sensit fuisse Christum crucifixum qui locutus est ei.
11 Exiens vero ecclesiam, invenit sacerdotem iuxta eam sedentem, mittensque manum ad bursam obtulit ei quamdam pecuniae quantitatem
12 dicens: “Rogo te, Domine, ut emas oleum et facias continue ardere lampadem coram illo Crucifixo.
13 Et cum ad hoc opus consumpta fuerit haec pecunia, iterum offeram tibi quantum fuerit opportunum”.
14.
1 Ab illa itaque hora ita vulneratum et liquefactum est cor (cfr. Cant 4,9) eius ad memoriam Dominicae passionis quod semper dum vixit stigimata Domini Iesu in corde suo portavit (cfr. Gal 6,17), sicut postea luculenter apparuit ex renovatione eorumdem stigmatum in corpore ipsius mirabiliter facta et clarissime demonstrata.
2 Exinde tanta se carnis maceratione afflixit, quod, sanus et infirmus, corpori suo nimis austerus existens vix aut nunquam sibi voluit indulgere.
3 Propter quod, die mortis eius instante, confessus est se multum peccasse in fratrem corpus.
4 Quadam autem vice, solus ibat prope ecclesiam Sanctae Mariae de Portinncula, plangendo et eiulando alta voce (cfr. Ez 27,30; Mar 5,38).
5 Quem audiens, quidam vir spiritualis putavit ipsum pati infirmitatem aliquam vel dolorem, et pietate motus circa eum, interrogavit illum cur fleret.
6 At ille dixit: “Plango passionem Domini mei, pro quo non deberem verecundari alta voce ire piorando per totum mundum”.
7 Ille vero coepit cum ipso similiter plangere alta voce.
8 Saepe etiam cum ab oratione surgebat, videbantur eius oculi pleni sanguine quia fleverat multum amare.
9 Non solum autem affligebat se in lacrimis, sed etiam abstinentia cibi et potus, ob memoriam Dominicae passionis.
15.
1 Unde cum sederet aliquando ad manducandum cum saecularibus et dabantur ei aliqua cibaria delectabilia corpori suo, parum gustabat ex eis, aliquam excusationem praetendens ne videretur ea propter abstinentiam dimisisse.
2 Et quando comedebat cum fratribus, in cibis quos edebat saepe ponebat cinerem, dicens fratribus in abstinentiae suae velamen, fratrem cinerem esse castum.
3 Cum autem semel ad manducandum sederet, dixit ei quidam frater quod beata Virgo in hora comestionis ita fuerat paupercula quod non habebat quid daret filio suo ad manducandum.
4 Quod audiens, vir Dei suspiravit cum magno dolore, mensaque relicta, panem super nudam terram comedit.
5 Multotiens vero cum sederet ad manducandum, parum post comestionis initium subsistebat non comedens neque bibens, suspensus circa caelestia meditanda.
6 Nolebat enim tunc verbis aliquibus impediri, alta suspiria ex intimo cordis emittens, dicebat etiam fratribus, ut semper cum audirent eum taliter suspirantem, laudarent Deum et pro ipso fideliter exorarent.
7 Haec de suo fletu et abstinentia diximus incidenter ut ostenderemus ipsum post dictam visionem et allocutionem imaginis Crucifixi fuisse usque ad mortem semper Christi passioni conformem.
Texto Traduzido
Caput V
Da primeira vez em que o Crucificado lhe falou e como, desde esse momento até a morte, trouxe a paixão de Cristo em seu coração.
13.
1 Certo dia, estando a implorar com maior fervor a misericórdia do Senhor, este mostrou-lhe que brevemente lhe seria dito o que deveria fazer.
2 Desde então, ficou tão cheio de contentamento, que, não cabendo em si de alegria, mesmo sem querer, confiava a algumas pessoas algo de seus segredos.
3 Falava porém cautelosa e enigmaticamente, dizendo que não queria ir para a Apúlia, pois na sua própria terra faria nobres e grandes coisas.
4 Como os companheiros o vissem tão mudado, já mentalmente muito afastado deles, embora corporalmente de vez em quando ainda se reunisse com eles, quase por brincadeira o interrogavam de novo: “Francisco, queres casar-te?”
5 Ele lhes respondia com certo enigma, como ficou dito acima.
6 Poucos dias depois, passando perto da igreja de São Damião, foi-lhe dito em espírito que entrasse nela para rezar.
7 Entrando, começou a orar fervorosamente diante da imagem de um Crucifixo, o qual piedosa e bondosamente lhe falou: “Francisco, não vês que a minha casa se destrói? Vai, pois, e restaura-a para mim”.
8 Trêmulo e atônito, disse: “De boa vontade o farei, Senhor”.
9 Entendeu que se falava daquela igreja que, por ser muito antiga, ameaçava cair proximamente.
10 Com essas palavras ficou repleto de tanto contentamento e tão iluminado, que sentiu verdadeiramente em sua alma que fora o Cristo crucificado que falara com ele.
11 Saindo da igreja, encontrou um sacerdote sentado lá perto e, pondo a mão na bolsa, deu-lhe certa importância em dinheiro,
12 dizendo: “Rogo-te, senhor, que compres azeite e faças arder continuamente uma lâmpada diante daquele Crucifixo.
13 Quando este dinheiro acabar nessa tarefa, de novo lhe darei quanto for necessário”.
14.
1 Desde aquela hora seu coração tornou-se tão vulnerado e comovido, lembrando a paixão do Senhor, que sempre, enquanto viveu, trouxe os estigmas do Senhor Jesus em seu coração, como depois se patenteou evidentemente pela renovação dos mesmos estigmas maravilhosamente realizada em seu corpo e demonstrada com a maior clareza.
2 Desde então se afligiu com tamanha maceração da carne que, são ou doente, austero demais com o seu corpo, poucas ou nenhuma vez foi indulgente consigo mesmo.
3 Por isso, quando se aproximou o dia de sua morte, confessou ter pecado muito contra o irmão corpo.
4 Certa vez, caminhava sozinho perto da igreja de Santa Maria da Porciúncula, chorando e lamentando-se em alta voz.
5 Ouvindo-o, certo homem espiritual, pensou que padecesse alguma enfermidade ou dor, e, movido de piedade, perguntou-lhe por que chorava.
6 Ele disse: “Choro a paixão de meu Senhor; não devo envergonhar-me de andar chorando por ele, em alta voz e pelo mundo inteiro”.
7 O outro começou semelhantemente a chorar com ele em alta voz.
8 Muitas vezes também, quando se levantava da oração, seus olhos pareciam cheios de sangue, pois havia chorado muito amargamente.
9 Mas não se afligia só com lágrimas; também com a abstinência na comida e na bebida, recordando a paixão do Senhor.
15.
1 Por isso, quando se sentava alguma vez com seculares para comer e lhe davam alguns alimentos gostosos para o seu corpo, provava um pouquinho deles, dando alguma desculpa para não mostrar que se omitira por abstinência.
2 E quando comia com os irmãos, muitas vezes colocava cinza nos alimentos dizendo aos frades que, para velar por sua abstinência, a irmã cinza era casta.
3 Certa vez, estando sentado para comer, um irmão contou-lhe que a bem-aventurada Virgem era tão pobrezinha, que não tinha o que dar de comer ao seu Filho na hora do almoço.
4 Ouvindo isto, o homem de Deus suspirou com grande dor, e, deixando a mesa, comeu pão sobre a terra nua.
5 Muitas vezes, porém, estando à mesa para comer, logo de início, parava, deixava de comer e beber, absorto na meditação das coisas celestiais.
6 Não queria, então, que o impedissem com algumas palavras, soltando altos suspiros do íntimo do coração. Dizia também aos irmãos que sempre que o ouvissem suspirar desta maneira louvassem a Deus e pedissem fielmente por ele.
7 Narramos estas coisas acerca do seu pranto e de sua abstinência, incidentalmente, para mostrar que, depois da visão e das palavras do Crucifixo, tornou-se sempre conforme à paixão de Cristo, até à morte.