O fruto de sua pregação e a devoção do povo para com ele; alguns de seus milagres, a solenidade do presépio e a visão.
46.
1 O santo homem de Deus, Francisco, no tempo que, como foi dito, pregou aos passarinhos, percorrendo as cidades e vilas (Mt 9,35) por toda a parte, moveu por força divina os corações de tantas pessoas à penitência, que algumas vezes recebeu trinta ao mesmo tempo.
2 O povo acorria a ele em massa com tanta vontade que, pela imensa devoção, se considerava feliz se conseguisse tocar ao menos as suas vestes (Mc 5,28).
3 Quando ele entrava numa cidade ou vila, era recebido solenemente ao som dos sinos, e iam-lhe algumas vezes ao encontro com ramos de árvores, saudando unanimemente a sua chegada com grande alegria.
4Confundia-se a perversidade dos hereges, exaltava-se a fé católica que o santo não só engrandecera pela vida e pelas palavras, mas também enaltecera com os prodígios dos milagres.
5 Invocando a força do nome divino, curava toda espécie de mal. Afugentava os demônios com a palavra e nenhuma dificuldade ou perigo podia resistir à sua oração.
6 Embora reservemos seus milagres para um trabalho mais amplo, mas inserir uns poucos, de maneira breve, neste opúsculo.
47.
1 Na cidade de Toscanella, um cavaleiro tinha hospedado devotamente o bem-aventurado Francisco. Seu filho único, embora já tivesse passado os anos do desmame, jazia ainda no berço sem forças nas pernas e débil em todo o corpo.
2 Ele se lançou humildemente aos pés do santo e, entre lágrimas, pediu a saúde do filho.
3 O servo de Deus, que se considerava indigno de fazer tais coisas, no começo não concordou de modo algum mas depois, vencido pela insistência do que pedia, foi orar e, depois, feito o sinal da cruz, em nome do Senhor (At 3,6.7; 4,10) ergueu a criança.
4 O menino levantou-se e saiu logo andando, diante de todos por todos os lados da casa, como queria.
48.
1 Noutra ocasião, um homem chamado Pedro, da cidade de Narni, perdera de tal modo o movimento de todos os membros que, pelo espaço de cinco meses jazia imóvel como um tronco, movendo só a língua e abrindo os olhos com dificuldade.
2 Ouvindo dizer que o bem-aventurado Francisco chegara, enviou logo alguém ao bispo do lugar, rogando que pedisse ao servo de Deus viesse por piedade divina, pois acreditava que sua presença seria suficiente para restituir-lhe a saúde (Mt 12,13).
3 Movido de compaixão, o homem de Deus foi até ele, traçou o sinal da cruz sobre ele da cabeça aos pés e, imediatamente, desapareceu todo o mal e, pela força do Altíssimo (Lc 1,35), ele se levantou curado.
4 Na mesma cidade, uma mulher, que perdera a visão, teve o mérito de ser curada alegremente pelo bem-aventurado Francisco logo que recebeu dele um sinal da cruz feito sobre os olhos.
5 Na cidade de Gubbio, uma mulher tinha ambas as mãos tão contraídas, que totalmente inúteis para fazer qualquer coisa.
6 Sabendo que Francisco chegara, foi ao seu encontro toda aflita para que visse sua miserável necessidade.
7 Quando a viu, o homem de Deus compadeceu-se, tocou-a e curou-a, de modo que ela se pôs logo a preparar com suas mãos um queijo, que ofereceu ao servo de Deus. Ele aceitou um pouquinho pela devoção da mulher.
49.
1 Um frade estava angustiado por não sei que doença, que várias pessoas atribuíam a um péssimo demônio.
2 Pois, ora rolava pelo chão espumando, com uma cara horrível, ora ficava rígido e estendido, ora jazia recurvado e contraído, ora era levantado à altura de um homem, com pés e cabeça unidos, caindo logo miseravelmente.
3 Sabendo de sua doença, o santo pai foi vê-lo, fazendo primeiro uma oração ao Senhor por ele, e depois fazendo sobre ele o sinal da cruz.
4 Imediatamente o frade sentiu-se milagrosamente livre daquele terrível sofrimento, e depois nunca mais sentiu nenhuma manifestação.
50.
1 Certa ocasião, o bem-aventurado Francisco estava pregando o reino de Deus (Lc 8,1) na vila de Sangemini e entrou com outros três frades, devotamente recebido, na casa de um homem,
2 cuja esposa, como sabiam todos os habitantes do lugar, era atormentada pelo demônio (Mt 15,22).
3 Por ela, o santo, que temia o aplauso das pessoas, foi muito implorado antes de aceitar. Vencido finalmente pelos pedidos, colocou os três frades a rezar em três cantos da casa, e ficou, ele mesmo, rezando no quarto canto.
4 Depois disso, aproximou~se confiante da mulher, que passava tão mal, e, em nome de Cristo (1Pd 4,14), mandou que o demônio saísse por obediência.
5 Este, por obra do Senhor, que assim agiu para conservar a humildade do seu servo, saiu na hora, dando gritos tão horrendos que o homem de Deus achou que tinha sido seguramente iludido e foi embora do lugar, com o rosto abatido.
6 Por isso, quando passou outra vez pela mesma vila, não quis ver nem a falar com aquela mulher, que vinha correndo devotamente atrás para falar com ele e beijava os vestígios de seus pés (Est 13,13). Até que, diante do testemunho de todos, acreditou que ela era mesmo a que tinha sido endemoninhada.
7 Também em Città di Castello, havia uma mulher possuída de um demônio (Lc 7,33), que foi trazida ao bem-aventurado Francisco, quando ele chegou à cidade.
8 Estava presente uma multidão de pessoas da cidade para intercediam por ela, queixando-se de que eram muito molestadas pela loucura da endemoninhada.
9 Quando o bem-aventurado Francisco a ouviu gritando furiosa pelas praças, querendo saber se era mesmo um demônio, mandou primeiro a ela um frade.
10 Vendo-o, a mulher soube que não era o bem-aventurado Francisco e, sorrindo maldosamente, fez pouco dele.
11 Enquanto isso, o homem de Deus estava prostrado em oração. Quando a terminou, aproximou-se da mulher com confiança.
12 Não conseguindo suportar sua presença ela se revolvia no chão, berrando diante dele.
13 Então, em nome da obediência, ele mandou o espírito sair. Ele saiu, e não pôde resistir à sua ordem nem um momento.
51.
1 Estas e muitas outras coisas semelhantes aconteceram não só pela presença corporal do bem-aventurado Francisco, mas até coisas em que ele tinha apenas tocado com a mão eram remédio salutar contra diversas desgraças mesmo na sua ausência.
2 Na região da cidade de Arezzo, uma mulher grávida não tinha força para dar à luz (Is 37,3), sofria terrivelmente e já não havia esperança alguma de que pudesse se salvar.
3 Mas aconteceu, nessa ocasião, que o bem-aventurado Francisco tinha sido levado a cavalo para um eremitério por causa de sua enfermidade e fraqueza, e um frade estava levando o cavalo de volta por aquele lugar.
4 Vendo o frade, as pessoas do lugar supuseram que fosse o próprio bem-aventurado Francisco, porque, tendo ouvido que ele passara, pensavam que estivesse regressando.
5 Com muita dor descobriram que não era ele; mas de modo algum desesperaram; antes, começaram a procurar com atenção alguma coisa que pudesse ter sido tocada pelas mãos do santo.
6Encontraram as rédeas dos arreios, que a mão do homem de Deus tinham segurado. Tiraram logo até o freio da boca do cavalo, para colocá-lo sobre a mulher que viam em perigo.
7 Aconteceu que ela deu à luz na mesma hora e daí em diante não sofreu mais o perigo.
52.
1 Um homem religioso, chamado Goffreduccio, morador de Città della Pieve, conservava devotamente consigo uma corda com que o bem-aventurado Francisco já se cingira.
2 Aconteceu que na mesma vila adoeceram gravemente muitas pessoas, de ambos os sexos. Quando o homem, ao visitar as casas dos doentes, imergia uma parte da corda na água ou então misturava um pedacinho dela na água e assim dava de beber aos que jaziam doentes.
3 Assim, admiravelmente, os que bebiam a água recuperavam imediatamente a desejada saúde.
4 Muitas vezes, também ofereciam pães para o bem-aventurado Francisco benzer, e os doentes que os provavam levantavam-se livres do incômodo de vários males.
5 Freqüentemente o piedoso pai ficou quase seminu pelo povo que, com facas, cortavam pedacinhos de seu hábito para conservá-los devotamente como remédio contra diversos perigos.
53.
1 No terceiro ano antes do feliz trânsito do bem-aventurado Francisco, aconteceu uma coisa admirável, que julgo digno de ser lembrado deixando outros de lado.
2 Pois santo homem, revirando em assídua meditação o que foi feito por Cristo, não queria, quanto lhe era possível, transgredir nem uma vírgula ou um ponto (Mt 5,18) do que é narrado nos livros do santo Evangelho.
3 Ao contrário, em tudo que meditou do que foi escrito sobre Cristo, mais que tudo que acontece na instabilidade desta vida, desejava carregar o jugo tão suave e o peso levíssimo (Mt 11,30) do Senhor.
4 Por isso, uma vez, já perto da solenidade do Natal do Senhor, querendo o homem de Deus representar o melhor que podia a pobreza humilde da infância do Salvador nascendo em Belém, mandou à sua frente para a vila de Grécio um homem devoto e nobre, chamado João.
5 Ele lhe preparou para isso um boi e um asno com o presépio para a alegria da festa que estava para chegar.
54.
1 Finalmente. chegou a noite solene, e lá estava o bem-aventurado Francisco, reunindo consigo vários frades.
2 Preparada a manjedoura, colocaram o feno, trouxeram para o seu lado o boi e o burro e começaram com alegria as celebrações da vigília.
3 Tendo acorrido muita gente de diversos lugares, aquela noite ficou cheia de uma insólita alegria, iluminada por velas e fachos, e as solenidades da nova Belém foram celebradas com um novo rito.
4 Os frades cantavam os louvores devidos ao Senhor, e todos os que estavam presentes aplaudiam com novos cantos de alegria.
5 O bem-aventurado Francisco estava diante do presépio, cheio de suspiros pelo júbilo, estava ali inundado de indizível suavidade.
6 Finalmente, celebrou-se o rito da missa em cima do presépio, e o próprio santo de Deus, vestindo os solenes paramentos como levita, proclamou com voz sonora o Evangelho e depois pregou ao povo doces coisas sobre o Rei que nasceu pobre em Belém.
7 Sentia tanta doçura e piedade pelo nascimento desse Rei que, quando tinha que dizer o nome de Jesus Cristo, pela enorme ternura de amor chamava-o de “menino de Belém”, como se estivesse balbuciando.
55.
1 Mas para que não se pense que todos esses fatos tenham acontecido sem permissão divina, foi aí mostrada uma visão admirável a um homem virtuoso.
2 Pois viu o bem-aventurado Francisco aproximar-se daquele presépio e despertar do sono um menininho que nele parecia jazer exânime.
3 Por isso, não é sem razão que se acredita que foi desse jeito, sem absurdo, que o Senhor Jesus Cristo se mostrou ao que estava recordando sua infância;
4 isto é, se pelo esquecimento ele estava como que adormecido e morto nos corações de muitos, assim, pela doutrina e pelo exemplo do bem-aventurado Francisco, foi outra vez recordado.
5 Terminadas com alegria tão grandes solenidades, cada qual voltou feliz para a sua casa.
6 Mas o feno do presépio foi conservado e serviu depois para, de diversos modos, afastar muitos males de homens e mulheres e também para preparar remédios para animais doentes.
7 No lugar do presépio foi consagrado um templo ao Senhor (1Rs 8,63), e o altar sobre o presépio foi dedicado à honra do santo pai e à memória do fato.
56.
1 O bem-aventurado Francisco refulgiu por tantos e tais milagres quando ainda vivia na carne e depois da morte que seria necessária uma obra muito mais extensa para contá-los melhor.
2 De fato, além de outros quase incontáveis que realizou em diversos tipos de doenças, necessidades ou perigos, ele também ressuscitou maravilhosamente muitos mortos.
3 Ainda que não tenhamos dúvida de muitos deles, não queremos determinar o número exato a não ser de onze que recebemos de pessoas dignas de fé.
4 Por isso, sobre seus milagres, por ora basta termos alguma coisa, para que os que querem ouvir logo o restante de sua vida não fiquem entediados com a narração dos milagres.
5 Pois, por que deveríamos demorar-nos nos milagres que mais mostram do que constituem a santidade, se, por amor à brevidade, somos constrangidos a expor em poucas palavras muitos fatos insignes de seu comportamento admirável?
6 Pois eu creio que tenham sido muito poucas as virtudes em cujo exercício este santo homem não tenha realizado coisas dignas de nota; que são mais importantes para a narração do que os milagres.