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Como recebeu do papa a Regra e a autoridade para pregar; é reconfortado na solidão; decidiu viver perpetua­mente pobre e a serviço do próximo; e a vigilância estrita com que guardou a si mesmo e aos seus.

21.

1 Vendo o bem-aventurado Francisco que o número de frades crescia com freqüência, expôs melhor para eles qual o propósito de seu coração e também o segredo da revelação divina.

2 Por isso, escreveu em poucas palavras uma Regra, intercalando nela palavras sagradas do Evangelho, cuja perfeição desejava com todas as suas forças.

3 Mas como desejava que o que escrevera fosse confirmado pelo Sumo Pontífice, tomou consigo (Mc 14,33; Lc 18,31) os onze ir­mãos que tinha e, como décimo segundo, partiu para Roma.

4 Lá chegando, dirigiu-se a um cardeal-bispo, homem provado e dis­creto, e lhe explicou melhor, em ordem, o motivo de sua vinda.

5 Este, tendo ouvido com benevolência o propósito dos pobres de Cristo, embora com razão aprovasse tão louvável propósito, sugeriu-lhe primeiro que se passasse para a vida eremíti­ca ou monástica.

6 Mas, insistindo perseverantemente a constância do servo de Cristo no que tinha iniciado, não aceitou esses conselhos com toda a humildade possível.

7 E as­sim foi até que, com a cooperação do Senhor (Mc 16,20), acabou prevalecendo e o causa chegou ao Sumo Pontífice com ajuda fiel do bispo.

8 A divina Providência acompanhava o bem-aventurado homem em tudo que fazia e tornava-o seguro por freqüentes revela­ções e visões.

9 Naquela ocasião também teve uma visão que ante­cipava o consenso do senhor papa ao seu propósito: uma ár­vore grande, de admirável altura (Dn 4,7), cuja ponta ele dobrou facilmente com até o chão, com as mãos.

10 Isso foi confirmado depois evidentemente pelo fato, quando aquele ex­celentíssimo e magnânimo homem, o senhor Papa Inocêncio III, que então governava a Igreja, se inclinou condescendente para o pobre.

11 Dando o Sumo Pontífice seu consentimento para a regra aos doze frades, dando-lhes também o mandato para pregarem a penitência, despediu-os com alegria, dando-lhes a bênção.

12 Mas também prometeu-lhes que, quando se multiplicassem, faria concessões mais amplas.

22.

1 Considerando o bem-aventurado Francisco, não sem razão, que tinha recebido um grande benefício do Vigário de Cristo, deu graças por tudo à divina clemência.

2 E, depois de visitar o túmulo do príncipe dos apóstolos, terminando a oração foi embora da cidade, cheio de alegria, com os seus.

3 Movia-o antes de tudo a natureza do dom, para não ser ingrato, e começou a conversar com os frades sobre como cresceriam eles mesmos primeiro na virtude observando a regra e como estariam comprometidos com o Senhor pela moeda a eles confiada, edificando o próximo.

4 Conversando piedosamente sobre isso e outras coisas parecidas, chegaram a um lugar deserto, em hora do dia já adiantada (Mt 14,15), onde parecia que não tinham possibilidade de auxílio humano, pois precisavam alimentar o corpo pelo cansaço da viagem.

5 Mas a Providência divina não faltou aos seus pobres: deu-lhes serviu-lhes milagrosamente um pão por meio de alguém que apareceu e logo desapareceu.

6 Comeram e também admirados, deram graças ao Senhor; e continuaram não pouco confortados o caminho iniciado.

7 Chegaram a um lugar solitário perto da cidade de Orte, onde ficaram por quase quarenta dias, passando grandes necessidades, enquanto alguns deles men­digavam na cidade.

8 Ali, com grande alegria, renovaram os inícios da santa pobreza e firmaram com ela um pacto perpétuo.

23.

1 Depois disso, entrando no vale de Espoleto, zelosos pela nova vida, fizeram uma piedosa reflexão sobre se deveriam em lugares solitários ou em meio aos ho­mens.

2 Mas o santo homem de Deus, desconfiando de sua in­teligência, entregando-se a devotos esforços de oração antes de qualquer decisão, nela compreendeu, com certeza, o que devia fazer e, guiado pelo zelo divino, decidiu dedicar-se ao bem do próximo mais do que a viver só para si.

3 Então São Francisco, confortado no Senhor, começou a agir com mais confiança por autoridade apostólica (At 9,28) e, andando pelas cidades, vilas e aldeias (Mt 9,35), pre­gou constantemente a penitência.

4 Cuidava, sobretudo, de se apresentar sempre irrepreensível (Tb 10,13), para não ter que disfarçar a verdade com palavras de adulação.

5 Os letrados maravilhavam-se da força de suas palavras, porque viam que a ele, não instruído por um homem, acorriam em bandos nobres não nobres, ricos e po­bres, atentos como a um astro novo despontado nas trevas.

6 E ele apresentou oportunos ensinamentos de salvação a pessoas de toda categoria, condição social, idade e sexo;

7 deu uma regra de vida a todos, de forma que hoje a Igreja se gloria daqueles que, de ambos os sexos, o seguem na tríplice milícia dos que deverão ser salvos.

8 De fato, como já dissemos, ele deu origem a três Ordens: a primeira, à qual ele mesmo observou melhor do que todos pela profissão e pelo hábito, à qual também deu o nome, como escreveu na Regra, de Ordem dos Frades Menores.

9 A segunda, também já recordada, das senhoras e das virgens pobres, que teve por ele o feliz início.

10 Também a terceira, de não medíocre perfeição, chama-se Ordem dos Penitentes e, sendo comum a clérigos e leigos, virgens, continentes e casados, congrega salutarmente ambos os sexos.

24.

1 Na verdade, quem poderia descrever em por­menores como o bem-aventurado Francisco pro­tegeu a Ordem dos Frades Menores, sobressaindo magnifica­mente no cume de todas as e educando seus irmãos e fi­lhos em tudo o que se refere à verdadeira vida religiosa?

2 Pois, instruído em tudo que é perfeito pelo ensino da graça do Espírito Santo, quis conhecer toda a perfeição, como o atesta a experiência;

3 e assim, ensinou os frades primeiro com fatos o que depois admoestou com freqüentes e doces palavras.

4 Mas como foi que esses frades, militando pessoalmente sob tão grande comandante, progrediram com seu exemplo e doutrina em toda a perfeição, acho melhor calar do que falar pouco mesmo usando muitas palavras.

5 Porque o bem-aventurado exercia a maior vigilância sobre a guarda de si mesmo e dos seus (Is 21,8; Hab 2,1);

6 e mantinha uma vigilância contínua não só para não caírem em algum pecado manifesto, mas também para que nenhum pensamento oculto degenerasse em vício;

7 e ainda para que não aparecesse nenhum engano com desculpa de virtude ou a pretexto de necessidade, nem entrasse a morte do homem interior por aberturas descuidadas dos sentidos exteriores.

8 Nem em si nem nos outros permitia que ficasse impune alguma coisa que devia ser subjugada pela disciplina, para que a mão tolerante não desse lu­gar ao torpor da negligência.

9 Impôs a si mesmo uma justiça tão rigorosa que, se houvesse uma tentação da carne, como acontece, mergulhava no inverno e, algum lugar cheio de gelo ou de neve até acabar com o impulso ilícito.

25.

1 Vendo-o manter tão grande severidade, também os frades eram provocados a fazer coisas semelhantes.

2 Porque, como dissemos, o homem de Deus não só reprimia com tanto rigor os impulsos da carne como também protegia com as trancas da maior cautela os sentidos corporais, para nada terem de vaidade.

3 Assim, quando morava num lugar chamado Rivo­torto, perto de Assis, aconteceu que o Imperador Oto passou por ali, com grande cortejo e pompa, para ser coroado em Roma.

4 Como morava com seus companheiros na beira da estrada (Mt 13,19), o bem-aventurado Francisco não quis que saíssem nem olhassem do tugúrio para ver o imperador nem ele nem os companheiros, a não ser a um deles,

5 ao qual ordenou que, com insistência, anunciasse ao imperador que sua glória duraria pouco.

26.

1 Verdadeiro observante da pobreza refugiou-se com seus irmãos numa casa abandonada do referido lugar para, de alguma forma, proteger-se do calor e da chuva.

2 Mas o lugar era tão apertado que nele nem podiam descansar comodamente.

3 Mas, o aperto do lugar não reduziu a largueza do coração a ponto de não poderem viver alegremente a maior penúria, persistindo em contínua ação de graças e louvor (Is 51,3).

4 E o santo também escreveu pelas traves da pequena casa os nomes dos irmãos, para que ninguém pudesse inquietar nem um pouquinho outro que quisesse descansar ou orar, podendo cada um saber o lugar a ele destinado.

5 Certo dia, porém, lá chegou um homem com um asno e, buscando talvez uma sombra, quis entrar no tugúrio. Para entrar melhor sem ser repelido, disse ao asno: “Entra, que ainda vamos deixar melhor este lugar!”

6 Mas o varão de Deus, levando a sério a intenção por essa palavra do homem (que achava que eles estavam reunidos ali para construir, ampliando e se apropriando do lugar) deixou logo o domicílio

7 e mudou-se para o lugar chamado Porci­úncula, onde tinha restaurado a igreja da gloriosa Virgem.