O espelho de Clara, uma proposta de ressignificação da vida

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Fr. Kater Vinicius dos Santos

(katerkatuaba@gmail.com)

RESUMO

A humanidade possui diversas etnias, culturas e línguas, que permitem que os homens toquem o mundo material de diversas formas diferentes. O mundo é igual, mas cada indivíduo possuí dele uma percepção diferente e único sobre ele. A fenomenologia caminha nesta perspectiva, indicando que o mundo é encontrado conforme o direcionamento da consciência. A realidade é construída a partir das vivências do indivíduo, sem ser reduzida a explicação fria da ciência. Entretanto existem fatores que retiram do homem sua liberdade, seja racional, emocional e comportamental. Estes fatores limitantes estão relacionados a significação dada aos fatos, como também aos ambientes que favoreceram certas ações. Preso a suas significações sobre o mundo, o homem será condicionado a não conseguir encontrar novos horizontes. Qual seria o melhor horizonte, o ideal para plasmar a realidade? Clara de Assis através de seu método de contemplação de Cristo no espelho encontrou o horizonte pelo qual deve medir seus atos de acordo com a beleza d’Aquele que é o próprio espelho, Jesus Cristo.

Palavras-chave: Espiritualidade. Psicologia. Fenomenologia. Clara. Pobreza.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca compreender o mundo como uma construção do homem, no sentido que são os homens que doam à realidade significados. O mundo se torna sempre novo por esta percepção, pois não reduz toda a realidade a descrição científica, mas propõe que é atribuída à matéria dimensões como, artística, histórica, boa ou ruim, útil e inútil, feliz ou triste. Fica a cargo de cada homem ir encontrando estas outras características, que subsistem na matéria.

A fenomenologia percebeu a capacidade humana de dar significados a realidade. Todavia, a cognição humana como um sistema complexo que reflete no comportamento e nas emoções, possui falhas e uma tendência a repetir ou refazer atos. As falhas cognitivas privam os homens da capacidade de ter o encontro com o novo de cada instante. O homem se torna escravo de comportamentos que o permitiram se defender de certas experiências traumáticas, mas que depois continuam acontecendo, sem que o indivíduo tenha consciência crítica desses atos.

Os comportamentos programados como defesas, são com o passar do tempo percebidos pelo indivíduo. O problema deles se encontra no fato, que os indivíduos não conseguem encontrar a origem destas atitudes, os eventos emocionais, que o fizeram ter esta reação. Sem o confronto com este passado doloroso, mas agora inexistente, este modo de pensar a realidade permanecerá, a não ser que, se encontre por meio da consciência um modelo a ser seguido e imitado, que questione na consciência tais comportamentos, oportunizando novos padrões de reação.

Santa Clara de Assis, religiosa franciscana do século XIII, não teve acesso aos conhecimentos fenomenológicos ou psicológicos, mas ela criou um meio para combater a consciência adormecida e adaptada. Ela propôs a contemplação do Cristo no espelho para assim ir percebendo as virtudes de Cristo. Aqueles que olharem para este espelho são convidados a irem se transformando em outros cristos.

1 A REALIDADE, UMA CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA

As diversas ciências através de seus métodos de base experimental, conseguem com êxito descrever a propriedade das coisas, do mundo. É próprio do caráter científico apresentar um conhecimento imparcial e objetivo. Ainda que o rigor científico seja um portador de verdades aceitas universalmente, a realidade humana, apresentada nas diversidades regionais, culturais e linguísticas, não consegue se adaptar ao modelo científico. Se a ciência tenta descrever o homem, o reduzirá a sua realidade biológica, que não conseguirá explicar sua diversidade. “A realidade não é uma coisa singular e homogenia; é imensamente diversificada e tem tantos esquemas e padrões diferentes quanto há organismos diferentes” (CASSIRER, 1994, p. 2).

A fenomenologia buscou combater as limitações impositivas do método científico, que invadiram o mundo-da-vida. Pelo pensamento científico, os homens adquiriram uma preconcepção que, as coisas só passam a existir depois de cientificamente testadas e comprovadas, como se a experiências subjetivas escondessem dos homens a verdade última das coisas, que somente a ciência poderia revelar. Por meio deste pensamento, o homem começa a desacreditar de suas vivências experienciais e se dessensibiliza da dor e do sofrimento dos semelhantes (STRUCHINER, 2007, p. 249).

A proposta fenomenológica de Husserl, foi conceber que a consciência é sempre intencional, ou seja, o contato que o homem faz com o mundo, depende do fenômeno, como também, do modo como a consciência se direciona para ele. A intencionalidade é fundamental para a compreensão do fenômeno, pois sem ela, não pode existir nem a consciência e nem o fenômeno. É função da consciência pela sua intencionalidade ser doadora de sentido ao que se manifesta. O homem, na compreensão fenomenológica, lida com o mundo atingindo outras dimensões que o método científico, por ser limitado, não alcança (LYOLARD, 1999, p. 34).

O homem olha o mundo e o toca por meio da intencionalidade da consciência que brota de suas vivências. A relação homem e mundo se dá por meio de símbolos. O contato com a realidade é sempre intermediário.

Em vez de lidar com as próprias coisas o homem está de certo modo, conversando constantemente consigo mesmo. Envolveu-se de tal modo em formas linguísticas imagens artísticas, símbolos místicos ou ritmos religiosos que não consegue ver ou conhecer coisa alguma a não ser pela interposição desse meio artificial (CASSIRER, 1994, p. 2).

As formas simbólicas, ligadas ao modo como a consciência se direciona ao mundo, não são um problema, ou algum empecilho para o conhecimento do mundo, ao contrário, são necessárias ao homem. É assim que o homem percebe o que é o artístico, o religioso, o lazer, o trabalho, um dia feliz ou triste.

O sentido da realidade passa a ser percebida como subjetiva, pois subsiste a partir da consciência de cada um. O mundo, no qual vive os homens, é percebido conforme o modo como cada um o vê, o sente, o toca e o compreende. A vida assim compreendida é ditada por meio das vivências interiores, pelas quais, os objetos passam a ser compreendidos (LIMA, 2008, p. 30).

O mundo se torna infinito na perspectiva fenomenológica, e isso não é um problema. A cada instante a vida é revestida de valores e perspectivas novas. A vida se torna um encontro com o novo a cada momento. O fenômeno, ou o modo como a coisa se manifesta, é o melhor meio de acessar a coisa mesma. Abrindo a mão das técnicas científicas a vida pode ser tocada em sua totalidade.

Em fenomenologia se vê também com os ouvidos e com todos os demais sentidos, com as mãos, com toda a carne, com o intelecto e naturalmente, com o coração, através do que sentimos o valor de coisas, pessoas, situações, percebemos emoções, sentimentos alheios etc. (MONTICELLI, 2002 citado por STRUCHINER, 2007, p. 249).

A consciência se torna “um farol que projeta sobre as aparências aspectos ou aquilo que se apresenta à mesma” (BOAVA, MACEDO, ICHIKAWA, 2010, p. 71). A consciência pode projetar características sobre as aparências, entretanto, essa “projeções” também são provocadas pelo auxílio dos objetos. O mundo não é uma total invenção da consciência, mas a consciência tem valor fundamental no modo como a realidade é percebida.

Um dos pontos combatidos pela fenomenologia é a “atitude natural”. Ela se identifica com a crença de aceitar a realidade como ela se apresenta, uma aceitação cega de juízos, comportamentos e certezas sobres as coisas. A coisa mesma só poderia ser encontrada por meio do método da redução ou suspensão dos juízos (BOAVA, MACEDO, ICHIKAWA, 2010, p. 74).

A crítica à atitude natural está voltada para a aceitação ou suposição que as coisas são totalmente como se apresentam. Elas na perspectiva fenomenológica, são mais, e nunca se logrará o conhecimento completo sobre elas. O significado atribuído ao mundo é dinâmico e se transforma de acordo com o indivíduo, que ao perceber as coisas, percebe por meio do que foi vivenciado. Uma festa será uma festa, desde que, o direcionamento para este momento assim o seja. Caso contrário, o evento será simplesmente um ambiente barulhento e inoportuno.

Todas as coisas que se manifestam seguem dois princípios para a fenomenologia. Em primeiro lugar, todo fenômeno possui um fundamento real, este princípio se denomina veracidade da percepção, O segundo se denomina princípio de transcendência, que assegura que nunca se alcança a totalidade do fenômeno. Se a vida for percebida por estes dos princípios fenomenológicos, a rotina, o dia a dia, sempre serão novos. O mundo nesta compreensão deve ser descoberto a cada instante, por meio do encontro (STRUCHINER, 2007, p. 250).

Segundo Monticelli (2002, citado por STRUCHINER, 2007, p. 250) existem três virtudes para se ter uma experiência fenomenológica. Em primeiro lugar redespertar a capacidade de se admirar e se maravilhar com as coisas, pessoas e situações. É redescobrir a capacidade de estar sempre aberto para encontrar-se com o mundo. Em segundo lugar se deve ter humildade: ter fé nas coisas mesmas, ouvi-las silenciosamente, permitir que elas falem. É ter a disponibilidade de se reconfigurar diante do “novo” de cada momento. E terceiro lugar, a atenção: um modo de viver vigilante e não no automático. Assim, para se viver a vida por meio da atitude fenomenológica se deve treinar a sensibilidade, voltar a ser sensível.

2 COGNIÇÃO E AMBIENTE, CONDICIONADORES DA REALIDADE

A fenomenologia dá uma abertura teórica sobre a infinidade de percepções sobre o que é o mundo. Fica a cargo da psicologia, identificar os motivos pelos quais, muitas pessoas ficam limitadas a esquemas comportamentais e emocionais, que reduzem a vida a problemas e em dificuldades, truncando a capacidade dos indivíduos de perceber que a vida, pode ser nova e renovada a cada instante.

De acordo com a terapia cognitiva os indivíduos atribuem significado a acontecimentos, pessoas, sentimentos e demais aspectos da vida, com base nisso comportam-se de determinada maneira e constroem diferentes hipóteses sobre o futuro e sobre sua própria identidade. [...]. Em qualquer situação estas respostas seriam manifestações de organizações cognitivas [...] (BAHLS, NAVOLAR, 2004, p. 3).

O desenvolvimento do indivíduo, vai acontecendo mediante suas vivências, mediante sua relação com o ambiente, com as pessoas e consigo mesmo. Estas vivências se dão no contato imediato, como também por meio de uma elaboração racional, que pode ser de caráter agradável ou não. A partir destes acontecimentos, o indivíduo atribui à vivência significados, como também pode distorcer os significados da mesma. São estes significados, dados às vivências que constroem o indivíduo, ou ainda, estes significados já são inconscientemente influenciados pelas escolhas anteriores, realizadas por ele (FORGHIERI, 2007, citado por LIMA, 2008, p. 34).

Os significados dados as vivências são realizados pela cognição. Segundo Becke e Alford (2000, citado por BAHLS; NAVOLAR, 2004, p. 4) cognição é a “função que envolve deduções sobre nossas experiências e sobre a ocorrência e controle de eventos futuros”. A cognição em sua maior parte realiza significações mal adaptativas ou construções falhas sobre o que foi vivenciado. A construção falha se dá pela “vulnerabilidade cognitiva”, onde a   cognição de um indivíduo específico o predispõe a uma síndrome cognitiva específica (BAHLS, NAVOLAR, 2004, p. 8).

O mecanismo falho da cognição, funciona quando o indivíduo passa por uma determinada situação, onde ele consegue ler, ainda que inconsciente, os seus desejos reprimidos e negados, no momento do acontecimento. A leitura do fato não é intelectual, é corporal e afetiva. O trauma enquanto um condicionador do comportamento, não ocorre somente pelo acontecimento externo, ele só ocorrerá de fato, quando tocar as pulsões internas do indivíduo. “A agressão externa não machuca, a não ser que se acresça de uma agressão interna e pulsional, única capaz de dotar a primeira de um poder de fascinação e paralisia” (SCHNEIDER, 1993, citado por OLIVEIRA, 2011, p. 132).

   Pelo modo como foram atribuídas significações a certas vivências, surge um modo de se comportar frente a uma situação específica. O comportamento aqui não pode ser confundido com temperamento [temperamento designa o aspecto especial da personalidade, as particularidades do indivíduo e de seu comportamento.]. O comportamento vindo de uma significação falha, será uma construção de autodefesa. Em situações onde o indivíduo sente como sendo aversivas ou desfavoráveis, o comportamento adquirido o regerá e o controlará dentro da situação. Pode haver situações ou coisas que sirvam de reforço ou estimulo do comportamento, que não sejam conscientes ao indivíduo, fazendo-o pensar que ele é assim e sempre o foi, sem perceber os estímulos físicos ou emocionais que está recebendo (BAHLS; NAVOLAR, 2004, p. 8).

O homem está o tempo todo lidando com o passado no seu presente. As coisas má resolvidas do passado, continuam existindo e exercendo forças sobre o indivíduo. Mas o passado se esconde apresentando-se no presente com novas roupas, e deste modo, disfarça a suas origens.

O passado é sempre reconstruído no presente com micro diferenças devido às variáveis multifocais que participam do processo da leitura da memória. O presente relê o passado num processo contínuo, indicando que há uma revolução criativa em cada ser humano (CURY, 2019, p. 96).

A realidade do homem, está limitada e contida, dentro de suas feridas emocionais não curadas. “O salão frequentado por adultos elegantes, bem-vestidos e perfumados está repleto de escravidão emocional"(MELO, 2019, p. 195). Todos se comportando vítimas da falta de autoconhecimento e desejos inconscientes e descontrolados que os privam das alegrias que a vida pode lhes trazer.

Os traumas não curados, impedem os indivíduos de terem liberdade, limitando neles a capacidade de se ter consciência de suas reações em determinadas situações. Sem a consciência se trunca a capacidade de encontrar novas possibilidades. Outro efeito do passado traumático não reconciliado, é a capacidade cognitiva de identificar nos outros as próprias coisas desagradáveis e desconhecidas. Esta manifestação de coisas desagradáveis no outro é denominada projeção. Ela ocorre pois aquilo que não foi compreendido em si, encontrou de alguma forma, um meio de se manifestar no outro. Entretanto há que se compreender, que a coisa desagradável coexiste no indivíduo e no outro. “Quando não matamos nossos monstros psíquicos nós os projetamos em alguém ao nosso redor” (FREUD, 1969, citado por CURY, 2019, p. 73).

A abertura dada à realidade pela fenomenologia, é limitada pelas falhas cognitivas. A consciência que projeta um tipo de pensamento e comportamento, visando o bem do indivíduo, o escraviza dentro de uma perspectiva limitada. Esses pensamentos e comportamentos são percebidos, só não são devidamente considerados. Se deve dar a devida atenção as atitudes consideradas normais, pois só deste modo se pode acessar as origens dos comportamentos falhos ou mal adaptativos. Dois passos são fundamentais para uma mudança cognitiva-comportamental, a percepção das atitudes “normais” e a capacidade crítica de questioná-las.

3 RECONSCILIAR E QUESTIONAR O PASSADO, UMA PORTA PARA NOVOS HORIZONTES

A racionalidade, vista como o que distinguia o homem dos outros animais, se vê falha e fraca por meio destes efeitos provocados pelos traumas. Entretanto um trauma pode ser curado, e um pensamento ou comportamento podem ser alterados. As memórias estão de tempo em tempo abertas a uma nova significação (FREUD, 1896, citado por OLIVEIRA, 2011, p. 130).

O ser humano tem a capacidade, latente ou manifesta, de compreender-se a si mesmo e de resolver seus problemas de modo suficiente para alcançar satisfação e eficácia necessárias ao funcionamento adequado (ROGERS, 1994, citado por LIMA, 2008, p. 35)

As mudanças na cognição, que estão correlacionadas ao comportamento, podem ser modificadas, através da alteração no tipo de instrução, que o indivíduo dá a si mesmo, evitando os pensamentos disfuncionais, trocando-os por outros adaptativos. Esta técnica de alterar pensamentos por meio da instrução do indivíduo, se denomina “treinamento instrucional” (MEICHEMBAUM, 1977, citado por BAHLS; NAVOLAR, 2004, p. 8).

A dificuldade na mudança da cognição se funda principalmente na laxidão que os indivíduos tem de se auto perceber, de se auto questionar. É necessário refletir sobre a vida e perceber as coisas que incomodam. Os problemas não trabalhos se manifestam no físico. É o corpo clamando por uma mudança nas lentes, pelas quais, a vida está sendo vista. “Da reflexão poderá surgir um novo entendimento, do entendimento uma nova postura, e da nova postura um novo sentido diante da vida” (MELO, 2019, p. 39).

Os traumas não puderam ser impedidos pela cognição, entretanto eles são um caminho de crescimento humano, desde que bem enfrentados. A vida não pode ficar limitada ao medo de novas situações difíceis, deve ser vivida como uma aventura. É possível evitar os acidentes do caminho, se escondendo deles, mas eles continuaram a existir, e se não forem enfrentados pelo medo, darão a vida um sentido mesquinho e frustrado. Mas aqueles que os enfrentarem poderão “respirar ares nunca antes aspirados” (CURY, 2019, p. 24).

Localizar os traumas é o objetivo das terapias cognitivas comportamentais. Nestas terapias se utilizam meios para localizar os pensamentos automáticos, testá-los e assim substituir as distorções cognitivas nele localizadas.

[...] os pensamentos são automáticos e na maior parte do tempo, inconscientes e negativos. Porém com treino, é possível identificar os negativos e trazer a atenção para o foco da mente (autoconsciência), de maneira que se possa fazer a troca por outros mais positivos. Desta forma, passamos a ver a vida como ela é e nos relacionar com tudo o que acontece, principalmente as situações negativas ou tristes com mais ânimo e nos reerguendo mais rapidamente (FICHANHA, 2019, p. 178).

Uma mudança na linguagem provoca uma mudança no comportamento. A cognição pode ser reescrita, por meio de uma nova sentença, que pela repetição, condicionará para a liberdade como para a escravidão. É por meio da linguagem que o homem interpreta o mundo e a si mesmo. E é por meio da alteração da linguagem, de negativa e pessimista para positiva, se muda os pensamentos e em consequência os comportamentos e sentimentos. Um meio de aliviar o medo de algo é lhe dar um nome, “o ser humano sofre profunda insegurança quando não sabe dizer o que vê, o que pensa e o que sente” (MELO, 2019, p. 105).

Augusto Cury (2019, p. 83), propõe um método crítico para se confrontar os pensamentos e consequentemente os comportamentos automáticos, a “mesa redonda do eu”. Nela o “eu” como agente principal consciente, se torna o ator principal do teatro da mente, liberando sua criatividade para criticar, confrontar, repensar as coisas que fazem surgir os conflitos, as ideias negativas e as emoções perturbadoras. O “eu” sai da plateia, e toma conta do espetáculo da vida.

O eu consciente pode ir alterando, reescrevendo, ressignificando o passado vivido dando luzes a uma realidade sombria, que não possui mais fundamentos para continuar existindo e exercendo forças sobre o indivíduo. A pessoa neste momento pode ter adquirido uma nova compreensão sobre o que já se foi vivido, podendo assim se desinstalar das amarras do passado que sutilmente atuam no presente. Mas essa ressignificação, não deve ser somente intelectual, ela tem que ser afetivo-visceral (OLIVEIRA, 2011, P. 137).

A mudança no pensamento só ocorrerá se este for questionado e desacreditado. O ambiente externo, exerce por sua vez condições para que estes pensamentos existam. A mudança dos pensamentos, por sua vez, só se concretizará se o indivíduo encontrar um ambiente favorável, que o ajude, para que este novo modo de ser se desenvolva (MELO, 2019, p. 103).

O passado precisa ser reconciliado integralmente. É necessário perdoar-se a si mesmo e aceitar-se como é. É igualmente necessário perdoar os outros que são desagradáveis, libertando-se das ofensas passadas e permitindo-se retomar a vida em sua totalidade e liberdade. Não basta perdoar o agressor, é preciso aceitar que, após a agressão a cognição adquiriu um comportamento defensivo, que garantiu uma pseudo liberdade. O problema é que a vida passou a ser vista só por meio desse pensamento e que esse modo de se comportar, não é necessariamente original. É preciso, também, aceitar que como pessoas passíveis de erros, é evidente que alguém foi ferido ao cruzar o mesmo caminho, mas que é possível ser perdoado e ir melhorando a cada dia (FICANHA, 2019, p. 176).

O rancor tira do homem a razão, priva-o de sua liberdade. Pelo rancor o homem se indispõe consigo mesmo, passa a ser seu pior inimigo, alguém que se envenena a cada segundo. Só a reconciliação, pode abrir o homem de novo para a vida. Não se pode compreender o rancor só em relação a um outro, ele deve também ser entendido e descoberto na própria história, nos dessabores da aparência física e do temperamento indesejados. É preciso ser grato por ser o que se é. “As grandes transformações só são passíveis depois que o coração se liberta dos rancores e se enche de gratidão” (MELO, 2019, p. 225).

Augusto Cury (2019, p. 43), elaborou conceitos para a compreensão do funcionamento da cognição. Uma das funções da mente é o Registro Automático da Memória (RAM), que é involuntário e indeterminado. Ele registra os eventos alegres como os traumáticos. Na vivência do dia a dia, quando o indivíduo lida com uma situação parecida com a traumática a mente abre a memória do passado, que começa  a atuar sobre a psique, sobre o comportamento. Essa memória que se abre do momento traumático é denominada “janela killer”. Ela retira a racionalidade do indivíduo fazendo dele uma marionete de suas emoções. O único meio de se liberar dos efeitos da janela killer é impor um outro pensamento positivo denominado “janela light”.

Uma religiosa franciscana do século XIII, criou um método ilustrativo, sobre a capacidade de se impor de modo consciente, um pensamento, uma instrução sobre a vida. Impor sobre as coisas automáticas e negativas, uma consciência positiva. Foi por este meio que Clara de Assis quis ver o mundo e se compreender.

4 SANTA CLARA, A REDESCOBERTA DA VIDA EM CRISTO

A vulnerabilidade da cognição prende a pessoa a esquemas dos quais ela não possui uma consciência clara e precisa. Se estes comportamentos adquiridos, às vezes, não são realmente conscientes, a pessoa ficará presa a um ciclo, da qual não sairá. Mas teria um modo pelo qual a consciência poderia utilizar para se modificar, ainda que fosse mais árduo, ou mais complicado? Clara fundada numa longa tradição bíblica, patrística, propôs um método. A contemplação de Cristo no espelho.

Olhe dentro desse espelho todos os dias, ó rainha, esposa de Jesus Cristo, e espelhe nele sem cessar o seu rosto, para enfeitar-se toda, interior e exteriormente, vestida e cingida de variedade, ornada com as flores e roupas das virtudes todas, ó filha e esposa caríssima do Sumo Rei. Pois nesse espelho resplandecem a bem-aventurada pobreza, a santa humildade e a inefável caridade, como, nele inteiro, você vai poder contemplar com a graça de Deus (4 CtIn, 15-18).

A mudança de mentalidade, ou de compreensão do mundo é assegurada biblicamente em inúmeras passagens, por exemplo no encontro de Jesus com Nicodemos, onde o Mestre indica a necessidade de renascer do alto (Jo 3, 3-5). Também são Paulo percebe a necessidade de se adquirir uma nova mentalidade e por meio dela revestir o homem novo (Ef 4, 22-24) Como também “não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Rm 12, 2). Nestes exemplos, o que impulsiona a transformação comportamental é a mudança no pensamento. O homem novo, só pode existir, quando para de pensar como o homem velho. Ele se transforma, ao encontrar por meio do novo pensamento, uma vida mais abrangente.

O homem vive em busca de sentido para sua existência. Ele procura para si tudo o que é belo, bom e verdadeiro. O caminho da felicidade e realização é construído cada vez que o homem se dispõe a ir encontrando coisas belas, boas e verdadeiras. O coração, é o que indica onde encontrar estas qualidades fundamentais tanto interior como exteriormente, por isso é preciso aprender a escutá-lo (MELO, 2019, p. 115).

Clara em sua vida, encontrou um objeto de desejo, que a colocou em movimento transformante; a figura de Cristo. Clara se direciona a Cristo por meio de três virtudes; pobreza, humildade e caridade. É assim que ela compreendeu Cristo, e desse modo ela o manteve vivo dentro de sua consciência, para que aos poucos, ela fosse se ressignificando em outro Cristo. Mais que uma mudança no significado, Clara propõe uma conversão, que envolve uma mudança que incide na realidade objetiva. Esse sonho de levar até as últimas consequências o exemplo de Cristo, a fez superar todas as limitações, transformou-a em mãe, filha e esposa de Jesus, e a fez espelho para a humanidade (TestC 19- 22).

A contemplação do espelho, que é a imagem de Deus, se dá em um encontro com o “Outro”. Clara percebe no espelho, o ideal a ser posto em prática em sua vida. A relação eu-outro é o motor impulsor da transformação, pelo qual, Clara realizou seu processo “cristificante” (PEDROSO, 1992, p. 133).

Ver-se a si mesmo no espelho, ao se comparar com o Outro, é uma experiência de tocar as próprias misérias, pois este Outro possui realizado em si os desejos mais profundos dos homens e mostra a fealdade dos pecados pessoais. Clara é conduzida à aceitação, de sua vida que agora é reconciliada pela misericórdia e compaixão de Deus. Nesta contemplação, Cristo restaura a beleza do coração, independentemente do passado. Ele liberta a pureza e a beleza que estavam sufocadas. A vida recebe do Espelho motivos para se abrir à gratidão.

Abrir mão das experiências dolorosas, dos traumas sofridos, derramando sobre o passado o véu da reconciliação. Olhar a vida e perceber que ela foi como poderia ter sido. Sem acusações, sem vitimismos. Foi, terminou, e o resultado que ficou pode servir como lugar de purificação (MELO, 2019, p. 186).

A pessoa de Cristo por meio da contemplação constante que Clara fez dele, possibilitou surgir no coração de Clara “a árvore da cruz, cujo fruto restaura a alma, cujas folhas oferecem remédio para o corpo” (LSC 35). A proposta do itinerário contemplativo de Clara é fazer Cristo se encarnar na vida de cada pessoa. Esta encarnação deve se dar nas atitudes, no modo de pensar sobre si, sobre o mundo e outros (MORESCO, 2018, p. 185).

A contemplação dá ao orante a sensibilidade para perceber a beleza e se sentir atraído e fascinado por ela. Esta mesma sensibilidade faz perceber a ausência dessa beleza e de sentido da vida, provocando a necessidade de ir busca-la, reencontra-la ainda que para isto se deva abandonar estruturas e atitudes, esquemas já prontos e concluídos. “A contemplação clariana cria esta sensibilidade” (BRUNELLI, 1998, p. 201).

O espelho revela a Clara, Cristo, interior e exteriormente. Clara ao afirmar que se deve se enfeitar ao olhar o espelho, não está falando do físico, ou de adereços (PEDROSO, 1994, p. 107). O espelho revela a Clara o Outro, este Outro possui um modo de ver a realidade, de concebe-la. Não basta imitar gestos de caridade como fez o Cristo exteriormente, se deve mudar os padrões de pensamento de acordo com o Cristo interior. O espelho que Clara vê é moral. O interior impulsiona o exterior. O interior e o exterior devem estar em consonância, pois somente deste modo Cristo estará vivendo dentro da alma.

5 A PARTE QUE CLARA TOCOU DE CRISTO

Cristo possui a plenitude de todos os anseios humanos. Nele os homens encontram tudo o que é belo, bom e verdadeiro. O espelho no método de Clara revela a porção de Cristo que ela deve se configurar. O espelho não é ausente das realidades da vida pessoal, ou uma junção de virtudes utópicas. Ele está como ideal possível de ser conquistado nesta vida, a partir da cruz pessoal de cada dia, da qual, não se paralisa na dor, mas se plenifica na caridade, como foi a vida de Cristo. “A caridade que realiza não é para que os outros vejam, mas para concertar aquela parte do mundo que lhe coube ver de perto” (MELO, 2019, p. 203).

Clara foi por meio do espelho reescrevendo sua história com a ajuda do Outro. Ela foi moldando suas virtudes a imagem das virtudes de Cristo. O amor de Cristo a tornou mãe, com um amor que não pode ser mensurável “mas que ao mesmo tempo, não existe nada mais concreto que esse mesmo amor” (MORESCO, 2018, p. 168). A maternidade de Clara é governada pela gratuidade. Não se espera nada em troca por seu amor, como fez Cristo ao encarnar a pobreza humana para tornar rico os homens, sem contudo, obriga-los a segui-Lo.

A pobreza que Clara percebeu em Cristo, foi o caminho escolhido para a liberdade. O nada possuir, seja material, ou sentimental. A opção de Clara permitiu que Deus tivesse esoaço no seu coração. Quanto mais Clara se viu envolvida por Cristo, mais ela foi tornando-se livre como Ele, livre de suas mazelas e pecados. Clara foi percebendo que a cruz é a porta da ressureição, o caminho da mudança. E que o crucificado é belo por ser sempre o portador da vida (PEDROSO, 1994, p. 107).

Jesus na cruz se encontra pobre “Veja, como por você ele se fez desprezível e o siga, sendo desprezível por ele neste mundo” (2 CtIn, 19). Clara o vê morrendo, no meio das angustias próprias da cruz, por amor à humanidade. E é assim que ela propõe o modo como Ele deve ser seguido, sendo desprezível como ele neste mundo.

Todas as dificuldades que Jesus aceitou com a encarnação fazem parte do processo de Kénosis que ele assumiu por nós. Cada vez que a vida em pobreza é abraçada voluntariamente, esse processo Kenótico é renovado em cada pessoa. Quem abraça a pobreza, assume o papel de mãe de Jesus, pois Cristo é quem dá sentido à pobreza (MORESCO, 2018, p. 170).

Clara não está assustada com a pobreza de Cristo, ou está querendo compensar seus pecados passados, por meio de uma vida virtuosa. Ela está apaixonada por este Amor. Ela encontrou algo que a tocou profundamente. Algo que a desinstalou e a colocou em movimento. Já não há reclamações, nem sofrimentos. No seguimento de Cristo o orante não é só obreiro, mas é fundamentalmente amante do Mestre (BRUNELLI, 1998, citado por MORESCO, 2018, p. 177).

O amor que impulsionou o caminho de Clara foi a conduzindo a sua realização pessoal. A fé em Cristo colocou Clara em contato direto consigo mesma, sem máscaras ou disfarces. Todo o caminho foi aproveitado. Clara encontrou sua verdade pessoal, e esta soprou sobre sua existência sentido. Um sentido transformante, inovador.

A vida de Clara adquiriu uma luminosidade própria, devido à realização pessoal que ela auto cultivou, sua configuração a Cristo. A luz de Clara está diretamente ligada a luz de Cristo. As adaptações da cognição, principalmente as negativas e disfuncionais podem retirar os homens de descobrirem o caminho do encontro consigo mesmos. A fé pode trazer luzes sobre as trevas pessoais. Pode trazer consolo para as lágrimas rancorosas do passado indesejado. Ela pode devolver a chance de voltar para a estrada singular da vida, a qual cada um foi chamado a dar o melhor se si, na alegria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A superficialidade com que se lida com a vida provoca no homem danos irreparáveis. No pequeno espaço de tempo que se estabelece a existência, os indivíduos permanecem anestesiados pela velocidade de compromissos necessários ou não, pela necessidade de se ter, sem perceber que a própria vida passa rápido. Encontrar-se consigo no primeiro momento parece doloroso e inoportuno, até mesmo chato. Mas sem este encontro nunca será possível entrar no caminho da verdade pessoal.

Clara de Assis encontrou sua verdade pessoal na pessoa concreta de Cristo. O amor que ela sentiu por Cristo, foi a direcionando para dentro de si, para seus medos e mazelas. Depois que ela ultrapassou estes muros de cristal, por serem frágeis e infundados, ela se encontrou com sua liberdade sólida e indestrutível que a tornou dona de si e feliz. Uma felicidade segura que nasceu dentro dela, e que não é passageira.

Nas capacidades cognitivas do homem existem falhas, mas também lhe é natural compreender o que é belo, bom e verdadeiro. Se os pensamentos automáticos são em maioria negativos, um modo de ir boicotando suas atividades no comportamento é impor de modo consciente pensamentos positivos e auto valorativos. O homem é feito para a felicidade. O medo da mudança não deve barrar o desejo da felicidade e nem a tentativa de sua plena realização pessoal.

A felicidade será definida pelas batidas do coração, no lugar onde ele encontrar sua originalidade, o seu eu mais inocente e puro. A felicidade só será encontrada quando o coração e o corpo estiverem juntos dentro do mesmo plano, pisando os dois juntos o mesmo chão.

Siglas e Abreviaturas

2 CtIn — Segunda Carta de Clara à Inês (in: Fontes Franciscanas e clarianas)

4 CtIn — Quarta Carta de Clara à Inês (in: Fontes Franciscanas e clarianas)

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