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(Orlando Bernardi, - Cadernos do IFAN, n. 18, 1997, p. 45-81.)

Introdução

No Congresso Internacional sobre as fontes e a teologia dos Sermões antonianos, realizado em outubro de 1981, em Pádua, Raoul Manselli, através de um estudo intitulado La coscienza minoritica de Antonio di Padovai, lançava um desafio que provocou uma série de estudos sobre a franciscanidade de S. Antônio. Essa desconfiança de Manselli não era propriamente nova. Já Sabatier em sua célebre Vida de S. Francisco ao falar de Santo Antônio o opõe de tal modo a Francisco que, segundo ele, a distância que vai entre ambos seria igual a que separa Jesus de S. Pauloii. A. Gemelli em seu tão conhecido O Franciscanismoiii relativiza bastante as divergências que alguns “historiadores pouco familiarizados com o espírito franciscano pretendem descobrir” entre ambos. Acrescenta afirmando que, se existirem, são apenas aparentes. De fato, se assim fosse, não encontraríamos tantos franciscanólogos se defrontando com o problema.

Mais recentemente S. Campagnola dedicou-se a decifrar a imagem de S. Antônio nas fontes franciscanasiv e, após alguns estudos, concluiu ser uma presença passageira, de vez em quando de uma testemunha, em todo o caso nunca a de um protagonista. Em outros escritos da época, forte é sem dúvida sua presença como pregador competente e afamado. Tampouco se lhe nega a primazia na promoção dos estudos na Ordem Franciscana, através do pedido a ele endereçado pelo próprio Francisco.

Por outro lado na primeira e mais importante biografia de Santo Antônio a Assidua (1233), Francisco está completamente ausente, bem como a primitiva fraternitas. Além do mais seus Sermões, ainda segundo Manselli, pouco respiram a espiritualidade franciscana.

Frente a isso causa estranheza que os Ministros Gerais da família franciscana, em sua carta para celebrar o oitavo centenário do nascimento de Santo Antôniov, façam uso com tanta facilidade de certas expressões que supõem, historicamente, um significado bem mais amplo e profundo. Sem mais afirmam os Gerais que Santo Antônio tinha vivido o franciscanismo originário (p. 9); que soube captar a essência da vida de S. Francisco (ibid.); que Antônio foi fiel ao apelo de S. Francisco... na pregação itinerante (ibid.), que viveu e foi expressão do franciscanismo original, sobretudo porque da meditação franciscana exprimia a imitação radical de Cristo pobre e humilde. Ora, tantos outros, santos ou não, fizeram meditação de Cristo pobre e humilde, sem serem franciscanos. Para ser franciscano é preciso fazê-la ao modo de Francisco de Assis. Antônio a fez? Em que medida? Por último, ao falar da originalidade de Antônio afirmam: A originalidade franciscana de S. Antônio é a expressão genuína da originalidade radical do franciscanismo, nascido precisamente como afirmação do “novo” como um modelo de vida desconhecido anteriormente, como um projeto em marcha (p. 10). Tirante a tautologia, pergunta-se de que franciscanismo se fala, uma vez que hoje se sabe que o novo de Antônio eram o modelo e o projeto do Papa e da Cúria romana, como mais à frente teremos oportunidade de ver.

Além dessas afirmações, a leitura dos Sermões sempre me deixaram a interrogação a respeito da franciscanidade de Santo Antônio. Eis a razão do presente estudo!

A fim de se obter, com segurança, alguma conclusão a respeito da franciscanidade de Santo Antônio, faz-se, primeiro, necessário entrar em contato com a experiência original e extraordinária de Francisco de Assis.

A experiência reconciliatória de Francisco

O ponto de partida da experiência cristã de Francisco encontra suas raízes num processo de reconciliação consigo mesmo e com a realidade circunstante. Este processo se concretizará lenta, mas seguramente, através da conquista de novos valores; da renúncia a bens que a sociedade lhe oferecia; da busca de novos modelos de vida comunitária. O fato é que, aos poucos, ele não é apenas aceito, mas também respeitado em seu novo caminho. Há ainda quem o olhe como o protótipo do homem universal, amado por Deus, respeitado pelos homens e irmanado com a natureza.

O centro focal desta reconciliação está em Cristo, experimentado no crucifixo que lhe fala, no beijo do leproso que encontra, na reconstrução da igrejinha de S. Damião que está em ruínas, na decisão firme de compartilhar sua vida com os leprosos. Cada uma

dessas experiências não é vivenciada em separado, mas se entrelaçam todas de tal forma, que compõem uma unidade, onde os contrastes psicológicos, humanos e sociais se reconciliam. Em seu Testamento afirma que, ao beijar o leproso, o que antes lhe parecia amargo, a seguir tudo lhe pareceu muito doce para a alma e para o corpo (Test. 3)vi. Note- se o acento antropológico-teológico da experiência, significando o alcance profundo da vivênciavii.

A partir deste momento as conseqüências que derivam para o modo de ser típico de Francisco são notáveis. De imediato sente a necessidade de buscar os meios aptos para aprofundar a verdade criatural que descobre no encontro com Cristo. Esses meios são os mais tradicionais, como penitência, silêncio, jejum e contemplação. A cada um deles, porém, corresponde um gesto bem determinado. Para demonstrar seu novo estado de penitente, veste-se como os penitentes; o silêncio e a contemplação, ele os põe em prática escondendo-se em lugar secreto; o jejum, realiza-o ao comer o alimento, esmolado de casa em casa e, por vezes, dividindo-o no mesmo prato com os leprosos. Além disso, o encontro com Cristo que lhe falou, foi de tal intensidade que não se envergonha de chorar, pública e constantemente, seus sofrimentos (2C 11; 3S 14) e, coerentemente, assume o compromisso de, em toda sua vida, seguir-lhe os passos para, mais e mais, identificar-se com ele (3S 15).

Psicologicamente entende-se que busque saborear a experiência a sós, na solidão e no silêncio. Entretanto, a forte característica extrovertida de sua personalidade o leva a compartilhá-la, pois, de algum modo, percebe que a novidade que nele se revelou necessita ser integrada na totalidade do humano, caso contrário perder-se-á num intimismo individualista e inócuo. Parte, então, disposto a realizar seu projeto de seguimento a Cristo. Não percebe, contudo, que esta resolução colocará em jogo valores já adquiridos e consagrados pelo modelo de sociedade medieval.

Não é sem dificuldade que supera o fato de ser filho de classe média e aprende a esmolar de porta em porta; saboreia a alegria de ser desprezado por causa de Cristo (2C 13; 1C 14); a nudez exibida tranqüilamente diante de sua cidade torna-se sinal expresso de sua liberdade e da radical adesão à paternidade absoluta de Deus. Estes gestos são a conseqüência de uma nova identidade, de uma nova consciência que, na medida em que assume forma clara nele, lhe revela, ao mesmo tempo, o quanto a reconciliação com as criaturas lhe exige fidelidade ao Espírito.

Entretanto, o caminho agora assumido não o leva a renunciar à cultura em que nasceu e vive. Como qualquer cidadão de sua cidade participa dos ideais da comuna, mormente os da liberdade democrática. Mesmo os sonhos da feudalidade não se apagaram de todo, a cavalaria, o amor cortês, a glória das armas e do poder configuram seu espírito de tal maneira que ao longo de toda a sua vida continuará a realizar da melhor forma possível o código cavalheiresco com suas seqüelas. Os sonhos se realizarão sim, porém de maneira nova e original. Os cavaleiros da Távola Redonda serão seus frades (LP 71); a mulher a quem dedica seu amor cortês ora é Maria (cf. SaudVM), ora a Dama Pobreza (2C 55; 84); o poder não é o do mando, mas o da lógica da encarnação de Cristo (2C 6) e do lavar os pés uns dos outros (RNB 6,3-4; Adm 6). Por isso seus “cavaleiros” serão chamados de menores (RNB6; 7,3; 1C 38)viii. O significado desta denominação não se enquadra nas categorias sociais de então (maiores e menores), mas indica propriamente uma caracterização teológica no sentido de colocar-se e estar a serviço de todos, ou como o expressa claramente em um de seus escritos: “sejam súditos de toda humana criatura” (2CFi 47). A conseqüência do ser menor está no compromisso com a paz que deve ser proclamada por estes novos cavaleiros a todos os humanos e a toda criatura. No entanto, não se trata apenas de um anúncio, mas de uma verdadeira reconciliação como tão bem o mostra o episódio da paz provocada por Francisco entre os poderes religioso e civil, do podestà com o bispo de Assis (LP 44; EP 101).

Mesmo saindo do século (Test. 4), Francisco reconcilia-se com os valores da sociedade ao assumi-los, agora, numa nova dimensão. Este gesto aponta para a nova humanidade que, a partir de sua conversão ou reconciliação tem início. É com muita propriedade que R. Manselli resume o significado verdadeiramente revolucionário da proposta de Francisco para o mundo medieval ao escrever: “Então será mais significativo que um jovem, Francisco, de uma cidade italiana, Assis, primeiramente, de comerciante que era, embora rico, tenha ousado aspirar a ser cortês e cavaleiro; e depois tenha tido a coragem de quebrar ainda um outro dos limites sociais de seu tempo. Ele, um leigo, se entregou à vida de penitência e, sem ser sacerdote, quis estar entre aqueles que pregavam, balançando, sem nenhum propósito revolucionário, mas só com o fato de sua ação, uma outra das pilastras da sociedade em que vivia, o da rigorosa distinção das ordens”ix.

A fraternitas de Francisco, sua identidade

O Testamento é, entre os escritos de Francisco, o único que expressa subjetivamente o retrospecto de seu itinerário espiritual, desde sua conversão até pouco antes de sua morte. Aí se tem o relato de um processo de transformações, que é também a história de uma opção de vida. Por isso esse escrito “permanece efetivamente o texto base, nunca supervalorizado suficientemente, do qual se deve partir para estudar e compreender as características e as motivações com que Francisco pensou e viveu a própria experiência religiosa de conversão e de vida”x. Nele narram-se também as etapas de como seu projeto é partilhado por outros que se juntam a ele, a quem recebe como vindos de Deus. Aliás, segundo Francisco, todo o projeto encontra-se profundamente entrelaçado com Deus, uma vez que é o Senhor quem o inicia numa vida de penitência; o Senhor o leva para o meio dos leprosos; o Senhor lhe dá fé nas igrejas e nos sacerdotes e ainda, o Senhor lhe dá irmãos (Test. 1.2.4.6.14). O Papa como suprema autoridade apenas confirma o projeto inspirado e, em parte, realizado pelo próprio Deus.

Com a aprovação verbal do Papa (1209), tem início o grupo que os historiadores chamam simplesmente de fraternitas (fraternidade)xi. Francisco descreve assim seus inícios: “E os que vinham para abraçar este gênero de vida distribuíam aos pobres o que acaso possuíam” (Test. 16). E os irmãos foram chegando espontaneamente, sem proselitismos, tocados apenas pela graça divina e, pela simplicidade e autenticidade do Poverello, aliás é esse o estilo que melhor corresponde a quem queira simplesmente viver a partir do Evangelho. Não se trata, portanto, de um grupo com quaisquer características de religião, ordem ou congregação. Seu idealizador fala apenas de vida, ou melhor, de abraçar a vida. A distribuição dos bens aos pobres é, originariamente, condição evangélica para seguir a Cristo (cf. Mc 10,21). No caso de Francisco não há apenas um seguimento, porque, segundo ele, foi o próprio Altíssimo que lhe revelou que ele e seus companheiros deviam viver segundo a forma do santo Evangelho (Test. 14).

Nesta expressão viver segundo a forma do santo Evangelho, (bem semelhante a esta outra segundo a forma da primitiva Igreja com a qual não pode ser confundida) encontra-se toda a originalidade de seu projeto. Os movimentos pauperísticos, muito disseminados nessa época, tentavam reviver os ideais da primitiva Igreja (cf. At 2, 42-47), entretanto

nenhum deles ousara propor um estilo de vida fundado apenas no Evangelho. Por isso Francisco, sempre de novo, podia reivindicar não apenas a originalidade, mas também a autonomia de sua escolha para si e para seus companheirosxii. As conseqüências práticas de sua escolha se mostram no estilo de vida que assumem, mas também na forma exterior com que se apresentam à sociedade. A respeito do vestir, escreve o santo que ele e seus companheiros se contentavam com uma túnica apenas, mesmo que fosse remendada por dentro e por fora, com uma corda que lhe servia de cinto e as calças. E nada mais desejavam ter (Test. 16-17). Vestidos desta maneira muito se pareciam com os movimentos penitenciais da época; para eles, porém, esse tipo de indumentária possuía uma função simbólica e social, uma vez que os distinguia, por um lado dos monges, dos camponeses e dos trabalhadores mais humildes, dado que estes usavam vestes mais práticas, por outro, indicava uma escolha pela pobreza evangélica que mandava possuir apenas uma veste (Lc 9,3).

Os que chegavam eram incorporados ao grupo sem qualquer rito de iniciaçãoxiii, uma vez que existia apenas um desejo comum de seguir o Evangelho. No entanto havia uma consciência, embora vaga, de uma comunidade eclesial, pois como relembra o Poverello “nós clérigos recitávamos o ofício como os outros clérigos; os leigos diziam os pai-nossos. E gostávamos muito de estar nas igrejas. Éramos iletrados e nos sujeitávamos a todos” (Test. 18-19). Disto se conclui que não possuíam casas. De fato, naquele momento não as possuíam, mas também não eram necessárias, pois segundo a visão poética do Sacrum commerciumxiv sua casa ou seu convento era simplesmente o mundo (FF 1075). Na realidade, como peregrinos e viandantes que eram, é de supor que se abrigassem nos pórticos ou ádrios das igrejas, ou em grutas, ou até mesmo que fossem recebidos em casas. Em todo o caso isto não lhes era problema, uma vez que, segundo Celano (1C 39), em qualquer lugar sentiam-se em segurança e pouco se importavam com o lugar de pousadaxv.

Apesar desta vida de peregrinos o trabalho se colocava para a fraternitas como um dos elementos mais importantes, demonstrando com isso sua firme vontade de, apesar de seu estilo de vida, colaborar para o progresso humano e social. Ao relembrar os inícios da caminhada Francisco escreve: “E eu trabalhava com as minhas mãos e quero trabalhar. E quero firmemente que todos os outros irmãos se ocupem num trabalho honesto. E os que não souberem trabalhar o aprendam, não por interesse de receber salário do trabalho, mas

por causa do bom exemplo e para afastar a ociosidade” (Test. 19-21). Esta preocupação com o trabalho, bem como as indicações anteriores de submissão a todos e de incultura (Test. 19), manifesta até que ponto era aguda em Francisco a dimensão social. Tanto o trabalho, particularmente o mais humilde, como a ausência de oportunidades de influenciar a sociedade eram características das camadas mais humildes do mundo medieval. A opção pelo Evangelho como norma de vida representa uma escolha por um campo social bem determinado e o resultado disto significa, numa sociedade profundamente hierarquizada, uma virada total de critérios de comportamento e de valorxvi. Com seu estilo de vida, Francisco e seus companheiros optam por fazer parte do mundo dos pobres e dos marginalizados. Conseqüentemente o tipo de trabalho que executam é o desta classe social. De Francisco sabemos que, além de dedicar-se ao trabalho junto dos leprosos, ainda se entregava à reforma de algumas igrejinhas abandonadas e para isso esmolava as pedras, percorrendo as ruas de sua cidade (2C 14; 3S 22). Dos outros frades sabe-se, pelas diversas fontes, que executavam trabalhos entre os leprosos, na lavoura, em casas executando pequenas tarefas domésticas ou como lenhadores ou hortelãosxvii. Para o Santo de Assis o trabalho possui um valor em si mesmo, por isso o frade que não sabia trabalhar devia aprender um ofício, não por cupidez da recompensa, mas para dar bom exemplo e para afastar a ociosidade. Contudo, em casos de o trabalho não conseguir arrecadar o necessário para o sustento do dia, nem por isso os frades deviam se preocupar, pois ainda lhes restava “recorrer à mesa do Senhor pedindo esmola de porta em porta” (Test. 21-22).

As recordações daquela primitiva fraternitas terminam com a última inspiração- revelação do anúncio da paz: “Como saudação, revelou-me o Senhor que disséssemos: ‘O Senhor te dê a paz’” (Test. 23). Por mais simples e promissor que fosse este anúncio, nem sempre encontrava ouvintes ou terreno propício para ser recebido. As guerras e lutas entre povos, condados e cidades eram constantes, criando um clima de brigas e desavenças mais ou menos generalizado. Por isso o anúncio da paz soava como algo incomum e muito estranho. Apesar disto o grupo o assumiu e fez dele sua característica própria. O quanto a preocupação com a paz estava presente em Francisco é revelado pelo episódio da reconciliação entre o bispo de Assis e o podestà da cidade e que mereceu um acréscimo em seu Cântico das criaturas (cf. LP 44)xviii.

O rosto e a identidade da fraternitas, que marcaram a sociedade medieval e que permanecem como desafio para a modernidade, certamente, cabem nas seguintes coordenadas: a proposta de Francisco se apresenta como uma novidade fascinante e ao mesmo tempo estranha ao monaquismo e à tradição canonical. Além disso, propõe compreender e viver de improviso a positividade da criação; recuperar o valor da pessoa humana sem identificar-se com as razões do mundo; alegrar-se por condividir as situações da existência com estranhos, peregrinos, pobres e enfermos na submissão a todos; não ter vergonha de pedir esmola; não pretender ser melhor cristão e renunciar ao uso de qualquer meio coercitivo contra os que erram. Num mundo em que as funções sociais se integravam de tal modo que cada indivíduo não se reconhecia apenas em seu lugar, mas procurava conquistar novo espaço para se impor, este caminho franciscano não deixava de ser percebido como estranho e provocador.

Do ponto de vista comunitário e social, a presença da fraternitas não era apenas notada, mas criava verdadeiro impacto a ponto de despertar constantes adesões. A sociedade medieval e, de modo particular, a assissense sentia-se profundamente atingida por este estilo de vida. Na verdade, trabalhar com as próprias mãos para se conquistar a comida, sem dispor de posses ou dinheiro, sem ter um teto fixo para morar, sem possuir garantias de tipo algum, sem projetos preocupantes para o futuro a não ser o compromisso e a própria fidelidade ao projeto fundamental de viver o Evangelho, sem meios para, de algum modo, exercer influências ou poder na sociedade: de fato, viver assim significa assumir, com galhardia e garra,  a radicalidade da pobreza, fazendo-se, desta maneira, solidário com os marginalizados da vida, que são a imensa maioria dos seres humanos.

A difícil passagem da fraternitas para a Ordemxix

A originalidade e fascinante novidade da vocação e da opção de Francisco não provocaram apenas admiração, mas lançavam profundas interrogações à sociedade medieval, visto ser ela ao mesmo tempo por demais estruturada e juridicamente conformada. No entanto, não se pode negar que esta mesma sociedade também olhava para o grupo com um certo encantamento diante de sua proposta de vida. Por isso permanecia

vacilante e medrosa a respeito do resultado. De fato, o mundo monacal e a tradição canônica tinham razões suficientes para desconfiar que semelhante modo de viver pudesse se prolongar no tempo, simplesmente porque viver o desafio evangélico soava como uma tentação por demais arriscada. Apesar disso a fraternitas se constituiu. Em seu caminhar tenta reproduzir a experiência de Francisco com todas as seqüelas do seguir a Cristo pobrexx. Ao ver que o Senhor, como escreve Celano, aumentava cada dia o seu número, Francisco julga necessário escrever “para si e para seus irmãos... com simplicidade e poucas palavras, uma forma e Regra de vida, usando principalmente expressões do santo evangelho, pois vivê-lo perfeitamente era seu único desejo” (1C 32). Com esta forma e Regra de vida, dirigem-se ao Papa, para que a aprove, o que conseguem não sem dificuldades (Cf. 1C 33; 3S 46-52). Uma delas, sem dúvida, dizia respeito à aparência exterior não muito atraente de Francisco e seu grupoxxi.

Com a aprovação papal o grupo volta a Assis, onde junto à igrejinha da Porciúncula estabeleceu seu centro de encontro. Dali partiam, dois a dois segundo o Evangelho, para suas missões de pregação e de testemunho. Os frades criaram de tal modo laços de amizade e vínculos espirituais entre si que experimentavam a necessidade de se reencontrarem (cf. 1C 30), demonstrando com isso que os liames de coesão não necessitavam de uma estruturada organização comunitáriaxxii.

A aceitação do estilo de vida de Francisco e da fraternitas foi de tal ordem que uns doze anos depois (1221) já era de cinco mil o número de frades. É claro que um tal e tão rápido crescimento trouxesse dificuldades não apenas ao projeto, mas principalmente à forma e Regra de vida. É verdade que ao longo do tempo e nos encontros anuais se fizeram adaptações para torná-la mais ágil diante dos diferentes desafios que se sucediamxxiii. No entanto a entrada constante de novos membros, muitos deles clérigos e sacerdotes, outros doutores formados, fazia-se acompanhar de tentativas constantes de novas modificações. Dentre elas uma que visava aproximar a forma de vida a um modelo de vida religiosa mais tradicional, como o dos monges, por exemplo. Francisco sempre resistiu a um tal intento.

A oportunidade para que semelhantes tentativas de mudanças viessem a público se realizou com a decisão de Francisco de se dirigir à Síria para pregar ao Sultão (cf. 1C 57). Deixou, nesse ínterim, na Itália, dois frades como ministros que deviam gerir os interesse

das comunidades em seu lugar. Estes se aproveitaram do cargo para introduzir algumas modificações que lhes pareciam necessárias. Não eram mudanças substanciais, diziam mais respeito a costumes de tipo monástico. Isto foi suficiente para que alguns frades demonstrassem sua oposição. Um deles atravessou o Mediterrâneo e foi relatar o fato a Franciscoxxiv. Ao tomar conhecimento das novas propostas que falavam da abstinência de carne em certos dias da semana, não demonstrou, de imediato, preocupação e até brincou com Pedro Cattani ao repropor o Evangelho como norma libertadora a quem o assume na simplicidadexxv. Este episódio, porém, serviu para confirmar quão forte era, por parte de alguns frades, o desejo de ter uma Regra de vida que melhor e mais facilmente ajustasse a vida das comunidades às condições sociais e especialmente às urbanas.

Ao retornar, Francisco percebe que a crise possuía proporções maiores que imaginara, por isso não se dirige aos frades “transgressores”, mas vai ao Papa e lhe pede um cardeal Protetor para a Ordem, que lhe é concedido na pessoa do cardeal Hugolino. A ele expõe as dificuldades vigentes na fraternitas. O cardeal, com sua autoridade, anula os gestos dos frades “infratores” da ordem, solucionando, ao menos para o momento, a crise.

Este acontecimento, no entanto, deixou seqüelas com repercussões profundas para o projeto originário de Francisco e da fraternitas; a maior delas tem a ver com a liderança natural do Santo fundador que, a partir deste momento, é posta em discussão. A evidência disto se mostrou no capítulo de 1221, chamado “das esteiras”, onde estavam presentes segundo Jordano de Jano, três mil, segundo outros, cinco mil fradesxxvi. Foi neste capítulo que alguns frades doutos tentaram, através do cardeal Hugolino, convencer a Francisco que assumisse uma das Regras clássicas, a de S. Agostinho, de S. Bento, ou de S. Bernardo. Diante do cardeal e dos frades reunidos, Francisco disse: “Irmãos meus, irmãos meus. Deus me chamou a seguir a via da humildade e mostrou-me o caminho da simplicidade. Não quero que me faleis em outra Regra, nem de S. Agostinho, nem de S. Bento, nem de S. Bernardo. O Senhor me disse que queria fazer de mim um novo louco no mundo e não quer conduzir-nos por outro caminho senão por esta sabedoria. Pela vossa ciência e sabedoria, Ele vos confundirá” (LP 114).

Com sua resposta o Poverello volta a insistir sobre a originalidade e simplicidade da proposta-projeto assim como vem apresentada no Testamento: “Deus me chamou”; “Deus me mostrou o caminho”. A elas Francisco quer permanecer fiel, com plena consciência de

ser um novo louco no mundo. Aliás, é essa a loucura dos seguidores radicais de Cristo. No entanto, não ignora que outras forças estão agindo e se impondo entre os frades e que sua liderança está sendo contestada. Esta consciência é o início de um sofrimento que perdurará até perto de sua morte. Mas ele sabe também que tudo isto é conseqüência do radical seguir as pegadas de Cristo. O apólogo da perfeita alegria (FF p. 174) certamente ilustra a situação de fato em que se encontrava Francisco. Com efeito, pouco depois renuncia ao cargo de Ministro Geral da Ordem (2C 143; LP105)xxvii. Em todo o caso a partir deste momento cessa a presença e a vigência da fraternitas, para se iniciar a Ordem Franciscana, o Movimento Franciscano ou o Minorismo na Igrejaxxviii.

Frei Antônio: mestre de teologia e pregador

O jovem Fernando, canônico agostiniano português, passa do convento de S. Vicente de Fora, em Lisboa, para o de Santa Cruz, em Coimbra, em busca de tranqüilidade para a meditação e o estudo. Em seu novo convento, entra em contato com um grupo de frades franciscanos que viviam nas cercanias da cidade. Sobremaneira impressionado ficou por ocasião das exéquias de cinco deles que tinham sido martirizados em Marrocos. O impacto foi tão forte que resolveu ser franciscano para ir também entre os infiéis maometanos a fim de morrer mártir. Os jovens frades ficaram entusiasmados ao ver que sua estadia em Portugal já estava produzindo frutos e, por isso, o aceitaram prontamente, dando-lhe o nome de Frei Antônio. Querendo, a todo o custo, satisfazer seu veemente desejo de morrer mártir, foi enviado a Marrocos. Sua saúde, porém, não lhe permitiu que lá ficasse sendo obrigado a voltar à sua pátria. Embarca num navio, mas uma tempestade o deixa num dos portos do sul da Itália. Em 1221 o encontramos em Assis no assim chamado capítulo das esteiras.

Conforme seus biógrafos, sua presença não foi percebida, como também não deve ter sido notada a presença de tantos outros deles, visto ser muito grande o número que se reuniu neste capítulo. Fato é que, ao final, quando os frades foram divididos para voltarem a seus lugares de trabalho, Frei Antônio permaneceu só. A Assidua, a biografia mais antiga do santo, afirma que ele suplicou ao ministro da Romagna que o levasse consigo e o instruísse “nos rudimentos da formação espiritual” (7,2). Tratava-se, na verdade, de ser

introduzido e formado especificamente na opção e na vocação de Francisco, isto é, viver “segundo o Evangelho”  e no “seguimento a Cristo”. Na realidade Antônio se tornara franciscano simplesmente ao trocar a veste de agostiniano pelo hábito dos frades. Não fora, certamente, introduzido no carisma e na proposta de Francisco, uma vez que se juntara aos frades porque queria ser mártir. Ao chegar a Romagna, retirou-se para o eremitério de Montepaolo em busca de paz e tranqüilidade a fim de entregar-se mais livremente a Deus (cf. Assidua 7,6).

Todavia, não se deve esquecer que sua formação filosófico-teológica fora esmerada, tanto ao iniciá-la no convento de S. Vicente, em Lisboa, como ao completá-la em Santa Cruz de Coimbra. Certamente Antônio conheceu, ao menos indiretamente, as doutrinas, as discussões e os textos básicos da cultura que vicejava em Paris e se espalhara, um pouco, por toda a Europaxxix. Toda essa bagagem cultural e, principalmente bíblico-teológica, bem como a capacidade em expressá-la em discurso ficara oculta até o dia em que, em Forli, por ocasião de uma ordenação de frades franciscanos e dominicanos, foi obrigado a pronunciar o sermão. Com palavras simples e com profundidade falou a ponto de deixar a todos não apenas presos em suas palavras, mas também surpresos e admirados que tanta ciência e sabedoria permanecessem ocultas até aquele momento (cf. Assidua 8, 1-8). A partir de então, Antônio não mais deixou de pregar, a ponto de se tornar o pregador mais famoso e popular do tempo, ao menos no norte da Itália e no Sul da França.

Professor de Teologia

O conhecimento que Frei Antônio adquirira da S. Escritura, unido ao domínio da ciência teológica, despertou em alguns frades o desejo de também poderem estudar Teologia. Está-se no início do desenvolvimento das universidades e do despertar dos estudos filosófico-teológicos dentro da Ordem. Entretanto, era bem conhecido o empenho de Francisco em manter seus frades simples e menores (1C 38; 2C 145). Os estudos sempre exerceram nele uma tensão perturbadora a ponto de, em suas Regras, não prever para seus frades espaço para a formação intelectual, ao contrário, afirma expressamente que “quem não tem estudos não os procure adquirir” (RB 10,8). Existia em Francisco uma espécie de rejeição ao saber, por causa dos perigos que a ciência pode trazer para quem faz profissão

de simplicidade e pobreza. De fato, os estudos supõem ter livros que, por sua vez, necessitam de casas para guardá-los. Deste modo a pobreza, assim como ele a entendia, sairia prejudicada; sem contar com o fato de que ter estudos, naquele tempo, era privilégio dos nobres e do alto clero, o que lhe rendia respeito e prestígio, realidades que não faziam parte do ideário de Francisco, porque causadoras de desigualdades sociais. Apesar desta sua expressa atitude acedeu ao desejo dos frades e, através de um bilhete, pediu a Frei Antônio que lecionasse a Teologia “contanto que não se extinguisse o espírito de oração”xxx.

A desconfiança de Francisco não provinha apenas do estudo como fator cultural, mas já percebera seus efeitos em alguns de seus frades doutos frente à sua proposta de seguir a Cristo na simplicidade e na radicalidade da pobreza. Em todo o caso, a entrega da cátedra de Teologia a Frei Antônio contribuiu sobremaneira para, de um lado, desmistificar a atitude de Francisco e da Ordem a respeito dos estudos e, do outro, para fomentar o elemento cultural e com isto introduzir a Ordem para dentro do mundo da academia, cujos resultados se notarão, mais tarde, na assim chamada escola franciscana.

Antônio pregador

Não foi como professor de Teologia que Frei Antônio se distingue, mesmo tendo exercido este encargo praticamente até o fim de sua vida. Os seus maiores títulos, como Tuba do Evangelho e Arca do Testamento lhe adviriam da pregação, que como missão, na forma de pregação popular, é própria das ordens mendicantes, franciscanos e dominicanos, que a herdaram dos movimentos pauperísticos. Como esta pregação se fazia para grandes multidões, até a arquitetura das igrejas assumiu uma forma específicaxxxi. A tradição monástica, a maior e mais expressiva força de expansão eclesial até então, não possuía a pregação como missão e, de modo algum, na forma de pregação popular.

Frei Antônio foi especificamente um pregador popularxxxii. A Igreja naquele momento e, de maneira particular, na região norte da Itália necessitava de pregadores com grande apelo popular para fazer frente à expansão da heresia dos cátaros. Além disso, há alguns anos os dirigentes da Igreja vinham se empenhando na tarefa de introduzir reformas eclesiásticas naquela região. Frei Antônio aderiu plenamente ao programa e empenhou-se, com sua pregação, a realizá-lo.

É possível saber-se como teria sido a pregação de Frei Antônio? Aliás, é possível saber-se algo da pregação de Francisco ou daquele tempo? Deste último tem-se a certeza de que foi ele o iniciador de uma pregação propriamente popularxxxiii. Através de seus biógrafos e de seus escritos é possível deduzir-se que sua pregação era muito simples e evangélica. Na Regra definitiva (1223) Francisco prescreve aos pregadores que sua pregação seja “ponderada e piedosa, para utilidade e edificação do povo, ao qual anunciem os vícios e as virtudes, o castigo e a glória, com brevidade, porque o Senhor, na terra, usou de palavra breve” (RB 9). Em sua primitiva formulação (cf. RNB 17), o acento era colocado não tanto no conteúdo da pregação, mas nas atitudes do pregador, isto é, que fosse humilde em tudo, que não se gloriasse, nem fosse presunçoso, nem se envaidecesse interiormente com suas belas palavras ou com suas obras, porque qualquer bem que nele ou por ele se fizesse seria operado por Deus. É nesta direção que se deve entender o forte apelo para que “todos os irmãos preguem pelas obras” (RNB 17).

A pregação de Frei Antônio possuía outro estilo, certamente era mais erudita e teológica, embora se saiba que entre seus ouvintes encontravam-se pessoas simples e sábias, pecadoras e santas, pertencentes à clerezia e ao laicato e, até o próprio Papa com seu colégio cardinalício o escutava “com ardentíssima devoção” (Assidua 10). Além de pertencerem a categorias tão diversas da sociedade, seus ouvintes se renovavam continuamente, pois o santo se locomovia muito de cidade em cidade da mesma região e até para outras regiões como o Sul da França.

Sua mensagem fundamentava-se sobre o evangelho e, de modo particular, sobre o projeto de reforma da Igreja; possuía, além disso, o objetivo imediato de levar seus ouvintes a um rápido processo de conversão. Para conseguir este resultado, suas palavras eram arrojadas ao atacar, com veemência, os erros da heresia e os abusos do clero e dos religiosos. Disso se conclui que a nota mais destacada desta pregação é seu caráter moralizante, isto é, visava chegar rapidamente à mudança de comportamento, através do modelo: contrição-confissão-satisfação-consumação. Cada uma destas etapas comporta uma atitude do cristão frente a seus compromissos religiosos. Conseqüentemente os apelos eram os mais veementes para que todo o processo se realizasse no curto espaço da pregação. O resultado prático da pregação era a procura imediata da confissão. Apesar de moralizante, não era uma prédica pessimista ou derrotista que acentuava apenas o lado

negativo do comportamento humano. Sua formação teológica sabia também desvendar aos ouvintes as grandezas e as glórias divinas, prometidas a quem soubesse viver de acordo com os ditames evangélicos.

Francisco e Antônio: diferenças e semelhanças

Ao tentar aproximar estas duas figuras surgem dificuldades que, do ponto de vista histórico, parecem intransponíveis, embora se trate de dois personagens que viveram praticamente no mesmo período histórico, dentro do mesmo espaço geográfico e pertenceram ao mesmo movimento religioso. Por isso, entre algumas diferenças fundamentais, existem muitas semelhançasxxxiv. Destas últimas faz parte a busca comum do martírio, como conseqüência e testemunho de sua conversão e de seu itinerário religioso- espiritual. Além disso, ambos se dedicam à pregação e não o fazem no modo tradicional e monástico. Seu público principal não são os clérigos, mas o povo simples; o conteúdo de sua pregação não é tão somente a reforma da Igreja, mas a vida moral, social e política das pessoas a quem se pretende transformar através de apelos e argumentos em favor da reconciliação, da paz e  da penitência. De mais a mais, visa resultados imediatamente verificáveis; por isso tenta-se alcançar diretamente os corações dos ouvintes, sejam poderosos ou simples, clérigos ou leigos, políticos ou não.

Ainda no campo das semelhanças há um outro aspecto que chama a atenção. A morte, como fenômeno humano, subtrai os indivíduos da presença física e, portanto, da influência visível e imediata. A declaração oficial de santidade, por sua vez, ocorrida pouco após a morte de ambos (para Francisco, dois anos depois e para Antônio, um ano apenas), os coloca para além da história; com isto suas identidades ficam comprometidas, uma vez que para o futuro serão simplesmente santos e como tais fazem parte do mundo das legendasxxxv.

Se as semelhanças são grandes, maiores e mais profundas são as diferenças. A mais fundamental e mais expressiva está no fato de Francisco ser um leigo, livre de estruturas religioso-formais, com ideais cavalheirescos profundos. Subitamente, encontra-se envolvido numa experiência religiosa intensa e original da qual surge um estilo de vida

entusiasmante que, por sua simplicidade e autenticidade rompe as fronteiras, tanto sociais como religiosas em que se estruturava a sociedade medievalxxxvi.

Por sua vez Antônio é um clérigo, pertencente a uma instituição religiosa tradicional, com uma formação filosófico-teológica acadêmica exemplar. Além do mais, como religioso agostiniano, está intranqüilo à procura da melhor maneira de expressar sua identidade religiosa. Esta inquietude o leva a trocar o mosteiro de Lisboa pelo de Coimbra, em busca de paz e serenidade a fim de dedicar-se mais a seus estudos. A posterior presença dos franciscanos desperta nele o desejo do martírio. Apesar disto permanecerá sempre um intelectual.

A essas diferenças vivenciais e estruturais de cada um, há ainda um fato que deve ser levado em conta ao se buscar a franciscanidade de Frei Antônio. Da conversão religiosa de Francisco surgiu uma comunidade de homens que, ao longo de dez anos (1210-1220), se transformou numa prática de vida. Em seu interior se gesta e articula um modelo religioso que impregnará toda a Idade Média. Para que isto acontecesse concorreu não apenas a personalidade carismática e, por vezes, desconcertante de Francisco, mas principalmente sua experiência religiosa que serviu de base para que cada um desses homens, reunidos a seu redor, expressasse, através de um estilo originalíssimo, sua própria vivência religiosa. A esse grupo assim constituído e com seu jeito próprio de viver o Evangelho e seguir a Cristo se chamou fraternitas (fraternidade).

Antônio não participou deste experimento nem deste grupo. Ele conheceu Francisco em 1221, no momento em que os primitivos ideais de vida passavam por dificuldades em sua expressão comunitária. As causas disso encontravam-se no rápido crescimento do número de frades e em tendências, ocultas ou manifestas, de transformação do modelo de vida religiosa até então vivido. Este processo evolutivo levava, aos poucos, a fraternitas a se descaracterizar em sua identidade na medida em que elementos de vida monástica ou canonical eram introduzidos em seu interior. Com isto sua originalidade que sempre estivera na vivência pura e simples do evangelho se perde. A passagem de uma para a outra, isto é da fraternitas para a Ordo (ordem), seguramente aconteceu a partir do capítulo de 1221, em que Frei Antônio esteve presente.

Foi neste capítulo que se manifestou, com clareza, a mudança de rumo gerando desde então uma tensão que praticamente não mais desaparecerá da Ordem franciscana. O

problema tinha seu foco na continuidade ou não da criação original de Francisco. Em conseqüência formaram-se dois grupos: uns buscavam, com intensidade, guardar zelosamente as características originárias; outros, através de uma presença cada vez maior do elemento clerical, tentavam dar uma configuração diferente à fraternitas. As diferenças se expressavam em mudanças que iam desde simples modificações litúrgicas até um envolvimento maior e mais ativo em trabalhos propriamente pastorais, o que desviava muito o sentido das primitivas formas de itinerança. Francisco percebera tais modificações, tanto assim que em sua carta a toda Ordem chamou a atenção para alguns destes pontos (31; 40-46). Frei Antônio, por sua vez, participa intensamente de toda esta problemática e, sem dúvida, concorda com as mudançasxxxvii.

As diferenças entre ambos continuam em outros campos. No tocante à pregação, por exemplo, embora existam pontos comuns, permanecem enormes diferenças em relação ao objetivo, estilo, conteúdo e ao uso da Palavra de Deus na pregação. Vejamos como tudo isto acontece.

Para Francisco o objetivo da pregação devia ser modesto, mas claro, isto é, servir “à utilidade e edificação do povo”, para isto era suficiente “anunciar os vícios e as virtudes, o castigo e a glória, com brevidade” (RB 9). A este objetivo simples e claro correspondia um estilo de pregação. De acordo com os múltiplos testemunhos de seus biógrafos ele usava em suas pregações palavras simples com conteúdos claros, em completo contraste com o estilo clerical da época ou estilo modernoxxxviii. Nos inícios do século XII a pregação se resumia no anúncio da penitênciaxxxix. Entretanto para Francisco a penitência não se esgota numa pregação de tipo moral ou sacramental, mas em seu anúncio o ouvinte é envolvido enquanto se decide por uma transformação pessoal. Normalmente em tais processos encontra-se um ponto de partida que é uma experiência profunda e envolvente do tipo daquela que o Poverello vivera no início de sua caminhada penitencial (cf. Test. 1-19). Nessa perspectiva o uso da Palavra de Deus, na pregação, brota espontaneamente, porque existe o envolvimento pessoal. Do mesmo modo importante é a presença de Deus percebida como apelo ou chamamento que se realiza através das palavras do pregador. Em todos esses passos a Palavra de Deus é parte integrante da pregação e não apenas elemento comprobatório.

Frei Antônio também prega a penitência, apenas que o faz de modo mais elaborado e acadêmico, segundo as normas da ciência retórica. O objetivo a ser alcançado é o mesmo, quer dizer, a conversão dos seus ouvintes. Em Frei Antônio este objetivo encontra-se inserido em um plano, anteriormente elaborado e, certamente, por outras pessoas ou organismos. O plano visa, primeiramente alcançar interesses pastorais ou de reforma eclesiásticaxl. A própria conversão que obedece ao esquema típico antoniano de contrição – confissão - satisfação, também está incluído no plano. Desta forma a pregação da penitência apresenta um caráter “de um fato sacramental e de levar à contrição espiritual como único êxito da confissão oral e da satisfação em obras”xli. Semelhantes preocupações não se encontram em Francisco, dado que o processo penitencial mirava a transformação pessoal como parte de uma experiência religiosa.

A dessemelhança entre ambos continua. Francisco queria o Evangelho sem glossa, porque fora de tal modo tocado por ele que, sem dificuldade (sem glossa) o assume e transforma em ideal de vida: “viver segundo a forma do santo Evangelho” (Test. 14). Em seus escritos, a Bíblia possui um papel direto e imediato, quase sem elaboração doutrinal e as palavras de Francisco são a tradução simples de sua experiência evangélicaxlii.

Lendo-se os Sermões de Frei Antônio ao contrário, tem-se a nítida impressão que ele devia saber de cor a maior parte da Bíblia, tamanha era a naturalidade com que a cita. Não conhecia apenas a Bíblia, mas também a Glossa que “era o repertório da exegese patrística e alto-medieval que acompanhava a Bíblia em toda a baixa Idade Média”. É precisamente esse seu conhecimento e seu uso “fundamentalmente rigoroso e escrupuloso de tipo científico, ou de tipo escolástico”xliii do texto bíblico que faz dele um intelectual e um teólogo. De fato, sabe-se que a teologia de então, nada mais era que uma reflexão a partir do texto bíblico e sobre elexliv. Daí a conclusão a que se chega a respeito dos Sermões: é um trabalho construído em cima da mesa, com instrumentos da ciência teológica, sendo seu autor um homem de escola, um profissional, portanto, e que como tal faz uso da Bíbliaxlv. Apesar disto, em sua prosa, concebida dentro das regras da escola, e em sua leitura bíblica, feita a partir de normas e distinções da teologia, “sente-se vibrar um místico, dentro desta estrutura escolástica sente-se arder o fogo do desejo, que é o fogo do amor do próximo, o desejo de transformá-lo no amor de Deus”xlvi.

Permanece entre ambos algo que os diferencia profundamente: Francisco é fundamentalmente humano em sua visão de Deus, de Cristo, da Igreja, da pobreza (cf. Sacrum commercium); é sem dúvida, telúrico na contemplação das criaturas, fala com elas, as convida a celebrar o Criador, lhe estão tão próximas que as chama de irmão e irmã. Diferentemente, em Frei Antônio tudo é enfocado sob o ponto de vista da ciência teológica ou natural. A religião e o que a ela se liga é contemplado sob o ângulo da teologia e a natureza sob o ângulo da ciência, apesar de muitos autores exaltarem a natureza em Frei Antônio como uma terceira fonte inspiradora, juntamente com a Bíblia e os santos padres. Não obstante, justa parece a conclusão de Uribe, ao escrever que as afirmações que aparecem em seus Sermões sobre a natureza possuem uma origem livrescaxlvii. A conclusão a que se chega na comparação entre ambos poderia ser a seguinte: enquanto Francisco é original, em suas concepções, ao traduzir uma experiência religiosa simples e profunda, os Sermões de Frei Antônio são concebidos a partir de uma escola, para uma escola, utilizando-se dos instrumentos da escola teológica e retóricaxlviii.

Frente a tantas diferenças e umas poucas semelhanças impõe-se ainda uma série de questionamentos. Tendo sido comissionado por Francisco a ensinar teologia aos frades – e sabe-se quanto isto significou para o Poverello – Frei Antônio, em lugar nenhum de seus Sermões, menciona Francisco ou a experiência da fraternitas. Mais estranho ainda é o fato da Assidua também não o mencionar. Há algo de anormal nisso que suscita interrogações do tipo qual seria o Franciscanismo de Frei Antônio? Até que ponto ele se liga ao fundador? A partir de que momento assume uma orientação própria? Além disso, esse tipo de Franciscanismo era apenas característica de Frei Antônio ou já se constituíra numa corrente própria? Essas interrogações ainda não conseguiram respostas seguras por parte dos historiadores.

Por outro lado também a Teologia lança suas questões: Por que Frei Antônio não desenvolve as intuições originais de Francisco em Teologia, assim como o farão, pouco depois, Alexandre de Hales, Boaventura e outros? Por acaso serão convincentes as conclusões a que chega C. Leonardi ao escrever: “diante da insuperável dificuldade de traduzir em cultura o ensinamento de Francisco, seu ponto de referência é materialmente (grifo nosso) apenas a Bíblia”xlix? Ou esta outra: “Antônio não possui instrumentos culturais aptos para traduzir em teologia a novidade de Francisco”l. Diante disto resta

apenas concluir com uma hipótese: Frei Antônio viveu um Franciscanismo que tem, certamente a Francisco como inspirador, porém assumiu caminhos próprios segundo as circunstâncias e as necessidades religiosas ou regionais.

Na constelação do movimento iniciado por Francisco, de imediato, duas estrelas de grandeza diversa brilharam com intensidade suficiente para que se distinguissem claramente uma da outra. Não se trata, porém, de duas gerações: uma de Francisco e seus primeiros companheiros e outra de Antônio. Também não se fala de etapas sucessivas de um mesmo e único movimento. Na realidade verifica-se uma duplicidade de correntes paralelas com pontos focais diversos: Francisco que vive uma experiência única e original e Antônio que, com um espírito apostólico ardente, pretende a conversão das almas dentro de uma programação eclesiástica, coordenada a partir do Papa para fins específicos de reforma de Igreja. Essa diversidade e a forte diferença entre ambos bem cedo foi percebida pelos biógrafos de Antônio. A Assidua, que muitos autores vêem como dependente da primeira de Celano, não fala de Francisco, o que é bem estranho, pois ele era e é modelo e exemplo de toda santidade franciscana. De fato, o hagiógrafo de Antônio o apresenta exercendo um ministério fundado sobre a pregação, o ensino da Teologia e a audição de confissões, de acordo com o modelo de uma Igreja que se organizava em bases pastorais absolutamente novas, provenientes do Concílio Lateranense IV. Com isto Antônio se torna um protótipo da linha que se manifestava vitoriosa na fraternitas, quer dizer, de uma ação pastoral eficaz num determinado momento da história da Ordem e da Igreja. Para o autor da Assidua, Antônio é a expressão típica de um ideal de frade menor deste preciso momento histórico. A biografia já reflete uma evolução havida e que estava bem distante do ideal proposto por Francisco e pela primitiva fraternitas. Por isso, se existe franciscanidade na biografia, se encontra de modo tão sutil que apenas os especialistas a percebemli.

A santidade de ambos

O aparecimento das Ordens mendicantes, no século XIII, trouxe para dentro da Igreja um novo tipo de santidade, mormente no que diz respeito à santidade local das cidades, pois foi aí que mais se manifestou a presença dos religiosos. O novo modelo de santidade privilegia o leigo e a mulher e como meios coloca o acento na contemplação e na

vida mística. Por outro lado, os santos leigos distinguem-se por um interesse imenso pela humanidade sofredora e por acentuar as atividades temporais. É claro que a oração e a ação caritativa caminham juntas, bem como a tarefa de moralizar e pacificar a sociedade em que vivemlii.

Francisco de Assis não foi apenas fundador da Ordem Franciscana mas, sobretudo, modelo de santidade e o foi de um modo particular, não visto antes. Por isso Elias, seu substituto no governo, ao anunciar aos irmãos, em carta, sua morte escrevia: “Não se ouviu no mundo falar em tal portento, exceto quanto ao Filho de Deus, que é o Cristo Senhor. Algum tempo antes de sua morte, nosso irmão e pai apareceu crucificado, trazendo gravadas em seu corpo as cinco chagas que são verdadeiramente os estigmas de Cristo”liii.

O fato da estigmatização, divulgado por Frei Elias, deu início a um processo de releitura da vida do Poverello. As conseqüências deste processo se mostram, de preferência, na identificação de Francisco com Cristo, no “Alter Christus”liv. Essa releitura era possível porque originariamente havia um projeto de Francisco de seguir radicalmente os passos de Cristo, o que o realizou de modo extraordináriolv. Certamente foi esta vida, percebida em sua totalidade, que levou o Papa Gregório IX a canonizá-lo, sem processo, dois anos após sua morte. Um fato curioso é a ausência do fenômeno da estigmatização na bula de canonizaçãolvi. A forma dos menores (forma minorum) com que Francisco é celebrado indica não o lado extraordinário de sua santidade, mas o comum da vida quotidiana, assumida e espontaneamente vivida com garra, na tentativa de imitar e seguir a Cristo. Nisto se coloca o novum da santidade franciscanalvii.

Com a santidade de Frei Antônio se repetiram, praticamente, os mesmos fenômenos e releituras como no caso de Francisco. Há, porém, diferença uma vez que a santidade de Frei Antônio, proclamada apenas um ano após sua morte, também sem processo, pelo mesmo Papa Gregório IX, obedece a objetivos e preocupações diversas das de seu pai espiritual. Com o Poverello se dera início a um modelo de santidade de tipo penitencial e laical, com Antônio se volta a insistir numa santidade clerical, onde o acento é posto sobre a função de pregador e confessor. Semelhante modelo torna-se impraticável aos leigos. Por sua vez a oficialização deste modelo de santidade obedece a uma opção do Papa, cujas preocupações fundamentais, neste momento histórico, são de fortalecer a cristianização da sociedade frente ao avanço da heresialviii.

Franciscanismo e/ou Minorismo?

G.G. Merlo, ao fazer um apanhado da historiografia franciscana do após-guerra até hojelix, num determinado momento se pergunta se as correntes (anime) do franciscanismo não seriam mais numerosas do que as sempre lembradas no dualismo espirituais- conventuais. Em conseqüência a esta proposta, lança algumas perguntas do tipo: há certeza de que o franciscanismo da Itália central é o mesmo que o da região paduana? Em caso de diferença, esta provém da diversidade de sociedades e do “humus” sócio-religioso que apresenta peculiaridades condicionantes, ou de outras fontes e formas de viver o projeto franciscano? Existe, por acaso, uma paternidade do franciscanismo diversa da de Francisco de Assis? Antônio de Pádua seria também a origem de um minorismo?

Semelhantes perguntas visam buscar, por parte do historiador, não apenas a resposta a questionamentos a respeito da posição de Antônio no movimento franciscano, mas revelam existirem problemas idênticos na origem do franciscanismo dos primeiros tempos. Além disso, esse questionamento oferece pistas para desvendar o destino do próprio movimento iniciado por Francisco. Ao longo da realização da proposta do Poverello, através da fraternitas, surgem forças que tentam dar outras respostas à mesma proposta original. Novos fatores como a crescente clericalização dos frades, a entrada de muitos doutores apenas formados pelas universidades, cuja influência se torna sempre mais atuante a partir deste período, a situação sócio-religiosa diversa das regiões em que atuam os frades e que sugerem, ou até exigem adaptações ao projeto originário franciscano. Todas estas forças certamente são vivas, estão presentes e atuam no caso concreto de Antônio. No entanto, ainda não são suficientes para fundamentar uma “questão antoniana” do tipo da franciscanalx.

Não restam dúvidas que na passagem da fraternitas para a Ordem institucionalizada influências outras, não pertencentes ao movimento, agiram fortemente. Duas são de fácil identificação: de um lado o papado com a Cúria romana que “intervém de quando em quando, segurando, apoiando, acelerando o processo de conventualização e de clericalização da Ordem; de outro lado, a própria Ordem que, na dialética das forças internas e no predomínio de uma orientação sobre a outra, alcança aos poucos, consciência

institucional organizando-se melhor, atingindo os dissidentes, adaptando e mudando os próprios pontos ideais, ideológicos e morais de referência”lxi.

O mesmo processo em andamento é ainda verificado, por exemplo, na ida de Frei Antônio para a cidade de Pádua por volta dos anos de 1229-1230. Seguramente não se trata de uma transferência fortuita. A região paduana há algum tempo estava presente nas preocupações do Papa e da Cúria romana. Já em 1221, o cardeal Hugolino estivera por essa região com interesses particulares. A partir dali, havia um projeto do Papa para que as ordens mendicantes assumissem a região para, através de missões populares, dar início a uma grande reforma eclesiástica. A ida de Frei Antônio fazia, certamente, parte importante deste projetolxii. Para que o programa de vertentes eminentemente pastorais, organizado pelo Papa e pela Cúria romana para esta região da Itália se pusesse em andamento, fazia-se necessário uma reorganização da vida comunitária minorítica. Foi a partir disto que “Francisco começava a se tornar um obstáculo, um ‘escândalo’, ou ao menos um problema”lxiii.

Um outro fato demonstrativo do mesmo processo de adaptação ou até de mudança do projeto originário de Francisco se tem no capítulo geral dos frades de maio de 1230 em que Frei Antônio esteve presente. Tensões e tumultos agitaram a assembléia com o aparecimento de dois grupos opostos, que lutavam ora pela crescente clericalização e conventualização da Ordem, ora pela posse do poder. De acordo com o cronista Eccleston, Frei Antônio também foi envolvido neste conflito, embora não tendo obtido resultados positivos como pacificadorlxiv. Em seu término o capítulo resolveu enviar ao Papa uma comissão de frades a fim de que lhes desse a interpretação de alguns pontos da Regra e se pronunciasse sobre o valor jurídico do Testamento.

O que chama a atenção é a composição dos frades que formaram a comissão e que foi presidida pelo Ministro Geral, recém eleito, João Parente. Faziam ainda parte Frei Antônio e mais três frades, todos como ele, clérigos, doutos e pregadores. A delegação se completava com mais dois frades da região além-Alpes: um francês e outro inglês, também eles doutores e certamente pregadores. De todos, apenas Frei Pedro de Brixia parece estar mais próximo da proposta original de Francisco. As características dos demais são: pertencem a um ambiente internacional; estão ligados aos círculos curiais de Roma (um deles é penitenciário papal); são todos da região norte da Itália; todos são intelectuais, a

maioria doutores e ligados ao poder, tendo sido ou vindo a ser ministros provinciais; não viveram a experiência da fraternitas; são representantes de um minorismo internacional e paduano que cresceu bastante longe da Úmbria e de Francisco e se desenvolveu dentro de uma atividade apostólica, comandada por Roma, em íntima ligação com os frades pregadores, com os estudos e com as igrejas locaislxv.

Ainda a respeito deste grupo, deve-se acrescentar que causa muita estranheza o fato de, ao se buscar a melhor compreensão da herança de Francisco (morto havia apenas quatro anos) não se recorra a alguém que tivesse vivido com ele a experiência da fraternitas, mas que ao invés disso se recorresse ao Papa. Além disso, esse mesmo grupo estava diretamente ligado ao Papa e à Curia romana ao assumir tarefas pastorais e de reforma de Igreja, deixando de lado o caminho percorrido pelos demais frades que ainda estavam preocupados na realização da proposta primitiva. Esse desvio de rumo comprometia, certamente, a própria identidade do movimento iniciado pelo Poverello. Para ele e seu grupo primeiro a identidade se expressava na vivência, pura e simples, do Evangelho entre os pobres e marginalizados, através do serviço e da submissão a todos; para o grupo que cresce e se desenvolve nesta região, os objetivos se concentram num empenho pastoral, realizado através do ensino, da educação e da formação na  Igreja e na sociedadelxvi. Tem-se  a impressão que a novidade e o desafio de Francisco não conseguiram entusiasmar os frades desta região.

Conclusão

A resposta aos questionamentos propostos pelos frades ao Papa foi dada através de um documento chamado Quo elongati. Nele, fundamentalmente, se deu a solução a dois problemas, que eram motivo de preocupação para a maioria dos frades do capítulo. O primeiro diz respeito à não obrigatoriedade do Testamento, como norma, permanecendo, sim, como um marco de valor espiritual muito grande. O segundo ponto referia-se ao compromisso que os frades, segundo a regra, haviam assumido de viver segundo a forma do santo Evangelho. Os frades perguntavam ao Pontífice se se tratava de todo o Evangelho, e o Papa respondeu que não, mas apenas dos assim chamados conselhos evangélicos. É

notório o desvio de direção que as respostas do documento papal estavam oferecendo ao projeto originário de Francisco, como fora exposto na Regra e historizado no Testamento. Por isso, esta bula papal é de um valor epocal único, significando uma virada na história do movimento franciscano. Essa intervenção parece ter ganho mais autoridade ainda pelo fato de o Papa afirmar que possuía grande familiaridade com Francisco, quando era cardeal, fato este que lhe dava garantias de conhecer as intenções do santo, além de tê-lo ajudado na elaboração da Regra.

Independente de quaisquer outros questionamentos a respeito da intervenção papal e das graves conseqüências que advirão para o movimento franciscano, é possível, contudo, destacar algumas conclusõeslxvii:

a) Francisco, nos anos finais da vida, já não conseguia mais ser o representante fiel das múltiplas tendências que se apresentaram ao longo da constituição e da vivência da fraternitas, agora transformada em Ordem;

b) o minorismo – como estilo de vida, como apresentação eclesiológica, como formação cultural – já não mais se identifica com o Francisco, “novo louco”, e com os primeiros discípulos que, como “idiotas e súditos de todos” tentavam, simples e puramente viver o Evangelho;

c) o Testamento, como última tentativa de representar historicamente o quanto foi possível viver o carisma tipicamente franciscano e sua proposta cristã, como acontecimento espiritual, já não conseguia dar respostas às novas necessidades da Ordem;

d) o Papa com a Quo elongati, de maneira autoritária e definitiva, estabelece uma distinção linear entre Francisco com a fraternitas das origens e a Ordem como se estruturara na região norte da Itália e que, sem dúvida, concordava com os planos do próprio Papa.

Tendo estas conclusões como ponto de partida, torna-se urgente a resposta a uma questão básica: pode-se falar de franciscanismo em sentido de uma espiritualidade deixada como herança por Francisco a seu frades e como tal aceita por eles? Parece que não se pode responder afirmativamente, donde serem conseqüentes as distinções entre franciscanismolxviii, minorismo e movimento franciscano.

Conseqüentemente pode-se, agora, concluir a respeito do franciscanismo de Frei Antônio. Ao tomar parte da comissão que foi ao Papa pedir soluções sobre o valor do Testamento e a interpretação da Regra, ele estava religiosa, pastoral e ideologicamente identificado com o grupo. Embora tivesse, nos inícios, se associado à caminhada de Francisco e seus companheiros, não participou da fraternitas, portanto não viveu a epopéia das origens. Além disso, ao concordar que o Testamento seja apenas uma diretriz espiritual, bem como em reduzir o evangelho da Regra em conselhos evangélicos, mostra que não estava tão afinado com a proposta originária de Francisco. Na realidade a legenda vai fixar a memória de Frei Antônio como um grande pregador e o maior santo que Pádua possui, deixando em aberto o tema de sua vocação franciscana.

Por outro lado, a grande conclusão que permanece nessa aventura de Francisco e seus cavaleiros da primitiva fraternitas é a de que ele já não pertence e não é patrimônio exclusivo dos franciscanos. De fato, ele não se deixa domesticar por nenhuma instituição, pois continua sendo sempre aquele que teve uma proposta cristã original e a viveu com lealdade e garra cavalheirescas até o fim. Por isso, Francisco é de todos, é do mundo. Realiza-se plenamente a visão utópica do Sacrum commercium, quando ele e seus frades, com gesto largo e solene, exibiam para Dama Pobreza o mundo como sendo sua morada, seu convento.

Abreviações:

FF: Fontes Franciscanas = São Francisco de Assis. Escritos e biografias de S. Francisco de Assis. Crônicas e outros testemunhos do primeiro século franciscano. Petrópolis: Vozes- CEFEPAL 1988.

RNB = Regra não bulada

RB = Regra bulada

SaudVM = Saudação à Virgem Maria

Adm = Admoestações

2Cfi = Carta aos fiéis (segunda recensão)

Test = Testamento

1C = Tomás de Celano, Vida I

2C = Tomás de Celano, Vida II

3S = Legenda dos Três Companheiros

LP = Legenda Perusina

EP = O Espelho da Perfeição

AP = O Anônimo Perusino

NOTAS

i Cf. Le Fonti e la Teologia dei Sermoni antoniani. Ed. Messaggero, Padova: 1982, 29-35.

ii Cf. Vie de S. François. Fischbacher, Paris: 1920, 147.

iii Vozes, Petrópolis: 1944, 93.

iv Cf. Il Santo 36 (1996), 373-379.

v Antônio, homem evangélico. Petrópolis: FFB 1995.

vi Cf. BERNARDI, O. Solidariedade de Francisco de Assis com os pobres, in MOREIRA, A. (Org.), Herança Franciscana. Festschrift para Simão Voigt, OFM. Petrópolis: Vozes-Bragança Paulista: USF 1996, 273-281. vii Cf. CAPITANI, O., Verso una nuova antropologia e una nuova religiosità, in La Conversione alla Povertà nell’Italia dei secoli XII-XIV. Atti de XXVII Convegno storico internazionale. Todi, 14-17 ottobre 1990. Spoleto: Centro Italiano di Studi sull’alto Medioevo 1991, 447-471.

viii Para o sentido e a implicância do ser menor cf. BERNARDI, O., o.c. p. 280.

ix São Francisco. Petrópolis: Vozes-FFB 1997, 28.

x MICCOLI, G., La proposta cristiana de Francesco d’Assisi, in Francesco d’Assisi. Realtà e memoria di un’esperienza cristiana. Paperbacks Storia 217. Torino: Einaudi 1991, 49.

xi Parece que o grupo que se forma ao redor de Francisco se regia a modo das fraternitates ou confrarias, muito comuns na Idade Média, compostas de grupos de pessoas que buscavam realizar um objetivo comum, quer fosse religioso ou não. (Cf. LAMBERTINI, R. - TABARONI, A., Dopo Francesco: l’eredità difficile. Torino: Grupo Abele 1989, 34. Cf. também BERNARDI, O. o.c. p. 282 nota 76.

xii Cf. MICCOLI, G., o.c. p. 54; MANSELLI, R., o.c. p.84. A respeito da problemática que, ao longo da história se estabeleceu por causa desta opção de Francisco cf. ESSER, K., El Testamento de San Francisco de Asis. Oñate: Editorial Franciscana Aranzazu 1981, 182-191.

xiii Somente a partir de 1220 e por imposição de Roma introduziu-se um ano de preparação e iniciação, o chamado noviciado.

xiv Uma obra alegórica e extraordinária do ponto de vista literário de autor ignorado e de difícil datação, seu texto encontra-se em FF 1045-1078.

xv A Legenda dos Três Companheiros (n. 32, cf. também AP 14) oferece esta informação do início quando ainda eram apenas três “e não dispondo de morada onde permanecer, transferiu-se (Francisco) com eles a uma pequena igreja, muito pobre e abandonada, chamada Santa Maria da Porciúncula, e ali fizeram uma casinha onde, de vez em quando, se encontravam”.

xvi Cf. MICCOLI, G. o.c. p. 55; LAMBERTINI, R.-TABARONI, A., o.c. p. 30. A respeito do significado mais amplo do trabalho para a fraternitas e para Assis, cf. FLOOD, D., Frei Francisco e o Movimento Franciscano. Petrópolis: Vozes-CEFEPAL 1986; ID. Francisco de Asís y el Movimiento franciscano. Oñati: Editorial Franciscana Aránzazu 1996.

xvii Cf. TEIXEIRA, C.M., Regra Franciscana: evolução, mitos, história. Petrópolis: CEFEPAL 1994, 17-21. De Fr. Egídio, o terceiro a associar-se ao grupo, sabe-se que recolhia lenha do mato, ajudava os lavradores na colheita das nozes, do trigo, da azeitona, da uva e pisava a uva na confecção do vinho, cf. FF 1258-1259.

xviii O quanto soava estranho o anúncio da paz é revelado por uma das fontes ao contar que diante deste anúncio a reação das pessoas era ora de admiração e ora de indignação. Esta, por vezes, se tornava agressiva de tal modo que um dia um companheiro de Francisco pediu licença para usar outra saudação, o que não lhe foi permitido (cf. LP 67).

xix A respeito da diferença entre fraternitas e Ordem com toda sua problemática e consequências cf. AZEVEDO, D. de, O Capítulo Geral da Ordem dos Frades Menores em 1221 na vida de Santo Antônio, in Pensamento e Testemunho. Congresso Internacional 8º Centenário do Nascimento de Santo Antônio. Atas I pp. 1-662; II pp. 667-1321. Braga: Universidade Católica Portuguesa - Família Franciscana Portuguesa 1996, 823-834.

xx Cf. MICCOLI, G. Seguire Gesù povero nel Testamento de Francesco d’Assisi. Magnano: Edizioni Qiqajon 1984.

xxi Há um episódio, aliás bem estranho, não mencinado pela maioria dos biógrafos de Francisco, mas que é certamente da época, que bem revela das dificuldades encontradas. Conta o cronista benedito Rogério de Wendover que, diante do aspecto um tanto estranho de Francisco, o Papa lhe disse: “Vai, irmão, procura porcos a quem deveria ser comparado mais que a homens. Revolva-se com eles na lama, torne-se seu pregador, entrega-lhe a Regra que preparou”. Francisco não se fez de rogado executou o que lhe fora mandado e voltou para junto do Papa. Este lhe concedeu a aprovação, não sem antes arrepender-se etc. (Cf. Fonti Francescane. Padova: Edizioni Messaggero s/d, pp. 1949-1950).

xxii A escolha da vida eremítica numa solidão individual era apresentada como um risco danoso e até como tentação diábolica. Cf. PELLEGRINI, L., La prima fraternitas francescana: una riletura delle fonti, in Frate Francesco d’Assisi. Atti del Convegno internazionale. Assisi 14-16 ottobre 1993. Spoleto: Centro di Studi sull’Alto Medioevo 1994, 47. Mais tarde Francisco elaborará uma Regra para a vida em eremitérios, porém sempre para três ou mais frades. Cf. FF 164.

xxiii Essa adaptação aconteceu, certamente, com a assim chamada Regra nnão-bulada, que foi o documento que regeu os frades até 1223. Cf. FOOD, D., o.c.; DEBONNETS, T., Da Intuição à Instituição. Petrópolis: CEFEPAL 1987.

xxiv O cronista-frade Jordanus de Jano relata todo o episódio em cores bem vivas. Cf. Cronica, ed. Boehmer (1908) nn. 10-14; in FF 992-994.

xxv Cf. Jordanus de Jano, Cronica n. 12, in FF p. 993.

xxvi Cf. Jordanus de Jano, Cronica, n. 16, in FF 995; LP 114; EP c. 68; ECCLESTON, T., De Adventu fratrum minorum in Angliam. Col. VI, in Analecta Franciscana. Tomus I, Ad Claras Aquas 1885, 228s. Neste capítulo também esteve presente Antônio que viera com os frades da Calábria.

xxvii Os biógrafos e outros autores das legendas da vida de Francisco interpretam este seu gesto como sendo um ato de humildade.

xxviii Cf. LAMBERTINI, R.-TABARONI, A., o.c. 38. Para a distinção entre ordem e movimento no franciscanismo cf. MERLO, G.G., Controllo ed emarginazione della dissidenza religiosa, in Francescanesimo e Vita religiosa dei laici nel ‘200. Atti dell’VIII Convegno Internazionale. Assisi, 16-18 ottobre 1980. Società Internazionale di Studi Francescani. Assisi: Universitá degli Studi di Perugia 1981, 367- 368.

xxix Cf. CAEIRO, F.G., Fonti portoghesi della formazione culturale de sant’Antonio, in Le Fonti e la Teologia dei Sermoni antoniani. Atti del Congresso Internazionale di Studio sui “Sermones” di S. Antonio di Padova. A cura di A. Poppi. Padova: Edizioni Messaggero 1982, 145-170; ID., Santo Antônio de Lisboa. Introdução ao estudo da obra antoniana. Vol. I. Lisboa 1967, 3-96; RIGON, A., S. Antonio e la cultura Universitaria nell’Ordine francescano delle origini, in Francescanesimo e cultura universitaria. Atti del XVI Convegno Internazionale. Assisi 13-15 ottobre 1988. Università degli Studi di Perugia. Assisi: Centro de Studi Francescani 1990, 69-92.

xxx Os estudos de Teologia naquele momento consistiam no conhecimento sapiencial da Bíblia. A respeito do bilhete a Antônio cf. ESSER, K., Gli Scritti di S. Francesco d’Assisi. Nuova edizione critica e versione italiana. Padova: Edizioni Messaggero 1982, 177-185; VANBOEMMEL, F., A Santo Antônio, “meu bispo”. (Carta de S. Francisco a S. Antônio de Pádua). Grande sinal 49 (1995) 205-213; VAUCHEZ, A., Conclusioni. Il Santo 36 (1996) 373-379.

xxxi Cf. VV. AA., La predicazione dei Frati. Dalla metà de ‘200 alla fine del ‘300. Atti del XXI Convegno internazionale. Assisi, 13-15 ottobre 1994. Società Internazionale di Studi Francescani. Centro Interuniversitario di Studi francescani. Spoleto: Centro Italiano di Studi sull’alto medioevo 1995.

xxxii Sua obra escrita dos Sermões dominicais e festivos entretanto, demonstra uma formação intelectual e cultural extraordinária, aliada a uma grande erudição.

xxxiii DEL CORNO, C. Origine della predicazione francescana, in Francesco d’Assisi e francescanesimo dal 1216 al 1226. Atti del’ IV   Convegno Internazionale. Assisi: Società Internazionale di Studi Francescani 1977, 128. Cf. ZAFARANA, A., La predicazione francescana, in Francescanesimo e Vita religiosa dei Laici nel ‘200. Atti dell’VIII Convegno Internazionale. Assisi 16-18 ottobre 1980. Assisi: Università degli Studi di Perugia 1981, 203-250.

xxxiv Cf. VAUCHEZ, A., o.c., p. 376.

xxxv Cf. MERLO., G.G., Intorno a Frate Francesco. Quatro Studi. Milano: Edizioni Biblioteca Francescana 1993, 97.

xxxvi Cf. MANSELLI, R., S. Francisco, 28.

xxxvii Cf. PELLEGRINI, L., Itineranza antoniana e Francescanesimo primitivo, Il Santo 36 (1996) 152.

xxxviii Cf. 2C 107; DELCORNO, C., o.c., p. 147; ZAFARANA, Z., o.c., p. 207.

xxxix Cf. LEONARDI, C., Il Vangelo de Francesco e la Bibbia di Antonio, in Le Fonti e la Teologia dei Sermoni antoniani. Atti del Congresso Internazionale di Studio sui “Sermones” di S. Antonio di Padova. Padova, 5-10 ottobre 1981. A cura di A. Poppi. Padova: Edizioni Messaggero 1982, 314.

xl Cf. TILATTI, A., L’”Assidua”: Ispirazione francescana e funcionalità patavina. Il Santo 36 (1996) 58-59; PELLEGRINI, L., o.c., 148-149; BRUFANI, S., Agiografia antoniana e francescana. Il Santo 36 (1996) 103- 107; RIGON, A., Antonio di Padova e il minoritismo padano in I Compagni di Francesco e la prima generazione minoritica. Atti de XIX Convegno Internazionale. Assisi, 17-19 ottobre 1991. Spoleto: Centro Italiano di Studi sull’Alto Medioevo 1992, 167-199.

xli Cf. LEONARDI, C. o.c., p. 314. xlii Cf. LEONARDI, C., o.c., p 308. xliii Cf. LEONARDI, C., o.c., p. 301.

xliv Cf. CHENU, M.D., La Teologia nel XII Secolo. Milano: Jaca Book 1986.

xlv Cf. LEONARDI, C., o.c., p. 301.

xlvi Cf. LEONARDI, C., o.c., p. 312.

xlvii Cf. URIBE, F., È francescana la visione antoniana della natura? in Il “Liber Naturae” nella “Lectio” antoniana. Atti del Congresso Internazionale per l’VIII centenario della nascita di Sant’Antonio di Padova (1195-1995). Roma, 20-22 novembre 1995. A cura de F. Uribe. Roma: Edizioni Antonianum 1996, 271.

xlviii Cf. Leonardi, C., o.c., p. 308.

xlix Cf. o.c., p. 310. Cf. também Antonio di Padova e la questione francescana, in Pensamento e Testemunho, o.c. pp. 269-274.

l Cf. o. c., p. 315.

li Cf. TILATTI, A., o.c., passim. A partir da Benignitas que é uma biografia posterior de Antônio, já se faz presente a preocupação em franciscanizá-lo. O mesmo acontece com a iconografia. Cf. GIEDEN, S., La componente figurativa dell’imagine agiografica. L’iconografia de sant’Antonio nel secolo XII. Il Santo 36 (1996) 321-333.

lii Cf. VAUCHEZ, A., La sainteté en Occident aux derniers Siècles du Moyen Age. D’après les procès de canonisation et les documents hagiographiques. Rome: École Française de Rome 1988, 243-249.

liii FF 1042. Para a problemática referente cf. FRUGONI, C., Francesco e l’Invenzione delle Stimmate. Una storia per parole e immagini fino a Boaventura e Giotto. Torino: Einaudi editore 1993, 51-104.

liv Cf. CAMPAGNOLA, S. da, L’Angelo del Sesto Sigillo e l’”Alter Christus”. Genesi e sviluppo di due temi francescani nei secoli XIII-XIV. Roma: Ed. Laurentianum-Ed. Antonianum 1971.

lv Cf. MICCOLI, G. Seguire Gesù... nota 19. lvi Cf. Bullarium franciscanum I, 211-214. lvii Cf. VAUCHEZ, A. La sainteté... 390.

lviii Cf. VAUCHEZ, A., La sainteté... 454; TILATTI, A., o.c., p. 50; PACIOCCO, R., “Nondum post mortem beati Antonii annus effluxerat”. La santità romano-apostolica di Antonio e l’esemplarità di Padova nel contexto dei coevi processi di canonizzazione. Il Santo 36 (1996) 111;130.

lix Gli studi francescani dal dopoguerra ad oggi.Atti del Convegno di studio. Firenze, 5-7 novembre 1990. A cura di F. Santi. Spoleto: Centro Italiano di Studi sull’Alto Medioevo 1993, 3-32.

lx Cf. BERTAZZO, L., Santo Antônio nas Fontes Franciscanas e sua inserção no pauperismo evangélico- minorítico das origens, in Antônio, homem evangélico na América Latina. Compilação das conferências apresentadas no 1º Congresso Antoniano Latino-Americano. Coordenação Fr. João Mamede Filho. Santo André (SP) s/d, p. 27.

lxi MERLO, G.G., Controllo ed emarginazione, in Francescanesimo e Vita religiosa dei Laici nel’200. Atti dell’VIII Convegno Internazionale. Assisi, 16-18 ottobre 1980. Assisi: Università degli Studi di Perugia 1981, 267.

lxii Cf. RIGON, A., Antonio di Padova... pp. 178 e 181.

lxiii PELLEGRINI, L., o.c., p. 159.

lxiv ECCLESTON, T., o.c., col. XIII, p. 241.

lxv Cf. RIGON, A., Antonio di Padova e il Minoritismo padano, pp. 188-190; PELLEGRINI, L., o.c., pp. 158- 160; BERTAZZO, L., Antônio: francescanità e francescanesimo, in Antonio di Padova. Uomo evangelico. Contributi Biografici e Dottrinali. A cura di Luciano Bertazzo. Padova: Edizioni Messaggero 1995, 56-57; ID., Santo Antonio nas fontes franciscanas... pp. 28-29.

lxvi Cf. RIGON, A., Antonio di Padova... p. 190.

lxvii BRUFANI, S., o.c., pp. 97-99.

lxviii Para Brufani (o.c. p. 99) o termo franciscanismo deveria ser reservado ao Francisco de seus escritos e de sua experiência histórica, como se consegue entrever nas legendas. Todo o resto, quer dizer, a fraternidade que se torna ordem, a constante clericalização, o desenvolvimento das legendas encontra melhor designação como minorismo, do qual Francisco também é parte significativa.