Sobre a providência divina no capítulo geral de Santa Maria dos Anjos, e como São Domingos esteve com sete frades seus nesse capítulo.
1 Em certo capítulo geral, que Francisco, fidelíssimo servo de Deus, celebrou na planície de Santa Maria dos Anjos, reuniram-se mais de cinco mil frades, e também esteve presente São Domingos, cabeça da Ordem dos Pregadores, com sete frades de sua Ordem.
2 Também esteve presente o senhor cardeal de Óstia, muito devoto do bem-aventurado Francisco e dos seus frades, a quem São Francisco predisse que devia ser papa; e assim aconteceu. Como a cúria do senhor papa estava então em Perusa, o referido cardeal veio zelosamente a Assis, e vinha todos os dias ver São Francisco e os frades. Algumas vezes cantava a missa, e de vez em quando fazia-lhes um sermão. 3 Quando ele, porém, vinha visitar aquela santa reunião, e os via no campo em turmas de sessenta, de cem e de trezentos, sentados em um diálogo divino, ou em orações e lágrimas, ou em exercícios de caridade, e com tanto silêncio que não havia ali rumor nem estrépito, 4 admirado com tamanha multidão, ordenada como a linha dos acampamentos (cfr. Ct 6,3.9), dizia em lágrimas e com a maior devoção: “Na verdade, este é o exército de Deus!”.
5 Pois ninguém entre eles ousava contar fábulas ou brincadeiras mas, onde quer que se reuniam, ou oravam, ou choravam, ou falavam da salvação de sua alma. E tinham naquele campo abrigos separados por turmas, feitos de esteiras ao redor e em cima. 6 Por isso, foi chamado de campo das esteiras. Suas camas eram o chão ou um pouco de palha; e os travesseiros, pedras ou tocos.
7 Por esse motivo era tão grande a devoção de todos que, da corte ali vizinha, acorriam muitos condes e barões, comandantes e cavaleiros, bem como cardeais, pessoalmente, com bispos e clérigos, e também nobres e populares, para verem uma congregação tão santa e humilde que o mundo nunca teve nenhuma parecida, com tantos homens santos. 8 Também para ver o venerável chefe deles, o santíssimo Francisco, que arrebatara ao mundo tão bela presa e dirigia aos bem-aventurados pastos de Cristo um rebanho tão devoto.
9 Quando todos estavam congregados, levantou-se o santo pastor e venerável comandante, Francisco, que, no fervor do Espírito Santo, propôs com palavras sonoras e solenes àquele rebanho bem-aventurado, a palavra da vida, que a unção divina lhe infundia.
10 Foi este o tema que propôs: Grandes coisas nós prometemos, maiores foram prometidas a nós; observemos estas, suspiremos por aquelas; o prazer é breve, perpétua é a pena; pouco é o sofrimento; infinita a glória. 11 Pregando com a maior devoção sobre essas palavras, exortava todos a obedecerem à santa mãe Igreja, à suavidade da caridade fraterna, 12 a orar por todo o povo santo de Deus, a ter paciência nas adversidades, à limpeza e castidade angélicas, à paz e à concórdia com Deus e com os homens, à humildade e mansidão com todos, ao desprezo do mundo e ao zelo fervoroso pela pobreza evangélica, 13 à solicitude e vigilância da oração e do louvor divino, a jogar todo cuidado (cfr. Sl 54,23) e solicitude da alma e do corpo para o bom pastor e nutridor das almas e dos corpos, nosso Senhor Jesus Cristo bendito.
14 “Para melhor observar isto, eu vos mando, frades todos que estais aqui congregados, pelo mérito da santa obediência salutar, que nenhum de vós tenha algum cuidado ou solicitude por alguma coisa de comer ou de beber, ou por algumas coisas necessárias ao corpo; 15 mas cuideis apenas da oração e do louvor de Deus, jogando todos os vossos cuidados em Cristo, porque ele tem um cuidado especial por vós”. E assim fizeram todos, correndo para orar com ânimo alegre.
16 São Domingos, que estava presente, ficou admirado pela ordem que São Francisco dera e achou que ele estava sendo imprudente - pois prescrevera que em tão grande multidão ninguém cuidasse das coisas necessárias para o corpo - porque imaginava que numa multidão tão grande algo de inconveniente podia acontecer.
17 Mas o Senhor Jesus, quis mostrar que ele mesmo ia cuidar singularmente de ovelhas tão queridas e de seus pobres. Imediatamente a mão do Senhor agiu sobre as pessoas de Perusa, de Espoleto, de Foligno, de Spello, de Assis e de todas as terras vizinhas. 18 Vinham com asnos, mulas, cavalos e carroças carregadas de pão e vinho (cfr. 1Re 25,18), favas e queijo, e todos os bens que achavam que podiam ser necessários para aqueles bem-aventurados pobres. 19 Além disso, levavam toalhas e vasilhas grandes e pequenas, e todos os utensílios de pudessem precisar. Feliz se achava quem podia servir mais devota e atentamente e providenciar com cuidado a tudo que fosse necessário para aquela bem-aventurada multidão.
20 Ah! Se visses cavaleiros e nobres servindo devotamente aquele grupo de santos, com toda a devoção; se visses os clérigos devotos e os fiéis correndo por todo lado para servir como domésticos; 21 se visses lá a flor da juventude dos adolescentes servindo também com tanta reverência, de modo que até parecia que não estavam servindo aos frades pobrezinhos mas aos apóstolos do Senhor Jesus Cristo.
22 Quando São Domingos viu todas essas coisas e reconheceu que a divina providência estava de fato presente, censurou-se humildemente pelo julgamento de irresponsabilidade que tinha feito. Ajoelhando-se diante do bem-aventurado Francisco, acusou humildemente sua culpa e disse: 23 “É verdade que Deus cuida destes santos pobrezinhos e eu não sabia. Por isso prometo observar de agora em diante a pobreza evangélica, e amaldiçôo da parte de Deus todos os frades da minha Ordem que tiverem a presunção de ter na Ordem alguma coisa de próprio”.
24 São Domingos ficou muito edificado com a fé de São Francisco e com a obediência e a pobreza de uma reunião tão grande e ordenada, e com a providência divina e tão abundante quantidade de tudo. 25 Pois, como quem é verdadeiramente santo e sábio percebe que Deus é fidelíssimo em todas as suas palavras. Como Ele faz florescerem no campo as ervas e os lírios, e como apascenta as criaturas que voam no céu, assim dá a seus devotos pobrezinhos tudo que é necessário.
26 Nesse capítulo, disseram a São Francisco que muitos levavam cilícios junto à carne e argolas de ferro, de modo que alguns adoeciam, outros morriam e muitos ficavam sem poder orar.
27 Então, como um pai muito discreto, ele mandou a todos, por obediência salutar, que depusessem diante dele tudo que tivessem de cilícios e argolas. 28 Encontraram-se bem uns quinhentos cilícios e argolas de ferro dos braços e do ventre, em tão grande quantidade que formaram um monte. Fez com que deixassem tudo.
29 Depois disso, o santo pai, ensinando e consolando a todos, e instruindo como escapar do presente século mau, com a bênção de Deus e alegria espiritual mandou-os todos consolados para as diversas províncias do mundo.
Para o louvor de nosso senhor Jesus Cristo. Amém.