Sobre a estátua parecida com a estátua de Nabucodonosor, mas vestida de saco, que se dirigiu a São Francisco e lhe falou sobre os quatro estados de sua Ordem.
1 Uma vez, São Francisco orava devotamente ao Altíssimo no lugar de Santa Maria dos Anjos, e eis que teve uma visão muito admirável, diante dos olhos corporais. Pois apareceu diante dele uma estátua, muito grande, semelhante à estátua que o rei Nabucodonosor teve em sonho. 2 Ela tinha a cabeça de ouro, o peito e os braços de prata, o ventre e as cochas de bronze, mas as pernas de ferro; os pés, porém, eram parte de ferro e parte de barro (cfr. Dn 2,32); e estava vestida com pano de saco, parecendo muito envergonhada por isso.
3 Olhando a estátua, o bem-aventurado Francisco ficou muito admirado de sua beleza como que indizível, de sua admirável grandeza e, além disso, do rubor que parecia ter por causa do pano vil com que estava vestida. 4 Enquanto estava admirando e examinando atentamente sua belíssima cabeça e formoso rosto, a estátua falou com São Francisco, dizendo: “Por que te admiras? Deus te mandou este sinal para que aprendas em mim o que vai acontecer no futuro com a tua Ordem.
5 Pois a cabeça de ouro e o rosto tão bonito que vês em mim é o princípio de tua Ordem, posto na altura da perfeição evangélica. 6 E como a sua substância é mais preciosa do que os outros metais, e o rosto mais bonito de que todos os outros, assim o princípio de tua Ordem será de tão grande preciosidade por causa da firme e áurea caridade, 7 e de tanta formosura por causa da angélica honestidade, e de tanta altura por causa da pobreza evangélica, que todo mundo admira. 8 E a rainha de Sabá, isto é, a santa Mãe Igreja, ficará admirada e expandirá seu coração quando vir nos primeiros escolhidos de tua Ordem tanta beleza da santidade de Cristo, e esplendor da sabedoria espiritual brilhando como nos espelhos angélicos. 9 E bem-aventurados serão aqueles que, conformando-se totalmente a Cristo, se empenharem em imitar as virtudes e os costumes daquelas primeiras pedras preciosas, ou melhor, das cabeças de ouro, aderindo mais à beleza celeste deles do que às ilusões de um mundo florescente.
10 Peito e braços de prata será o segundo estado da tua Ordem, que será tão inferior à primeira quanto a prata é inferior ao ouro. 11 E como a prata tem preciosidade, claridade e sonoridade, assim, no segundo estado, serão preciosos nas escritura divinas, claros pela luz da santidade e sublimes pela sonoridade da Palavra de Deus, de tal modo que alguns deles serão assumidos para o papado, alguns para o cardinalato e muitos para o episcopado. 12 E como pelo peito e pelos braços mostra-se força do homem, assim naquele tempo o Senhor vai suscitar nesta tua Ordem homens de prata pela ciência e preclaros pela virtude, que tanto pela ciência como pelas virtudes vão defender esta religião e também toda a Igreja de numerosos assaltos dos demônios e de diversas violências dos homens ímpios.
13 Mas, mesmo sendo admirável, essa geração não vai chegar ao estado perfeitíssimo dos primeiros: será, em respeito ao primeiro estado, como a prata em comparação com o ouro.
14 Depois desses, haverá o terceiro estado da Ordem, que vai parecer com o ventre e as coxas de bronze; porque, como o bronze tem um preço menor do que a prata, assim os desse terceiro estado serão menores do que os primeiros e os segundos. 15 E embora, como bronze, vão se espalhar em número e ampla extensão pelos espaços do orbe, haverá alguns deles cujo Deus é o ventre, e a glória da religião estará na confusão daqueles que só apreciam as coisas que são terrenas (cfr. Fl 3,19). 16 E ainda que, por causa da ciência, vão ter uma língua como o bronze, admirável e sonora, como serão cultores do ventre e das coxas, ai! ai! serão tidos por Deus, como diz o Apóstolo, como o bronze que soa ou o tímbalo que tine (cfr. 1Cor 13,1) porque para os outros farão ressoar palavras celestiais e, como da coxa, gerarão filhos espirituais; tendo mostrado para os outros a fonte da vida (cfr. Sl 35,10), eles mesmos, com o ventre árido de graça, estarão colados à terra.
18 Depois desses, vai ser o quarto estado, terrível e pavoroso, que agora te é mostrado nas pernas de ferro. 19 Pois assim como o ferro doma (cfr. Dn 2,40) e dissipa o bronze, a prata e o ouro, assim o estado vai ser de uma maldade tão dura e férrea, que pela frieza e pela horrível ferrugem e pelos costumes férreos desse tempo perigoso, 20 será jogado no esquecimento tudo quanto a caridade áurea dos primeiros, a argêntea verdade dos segundos e a brônzea ou sonora loquacidade dos terceiros tinham edificado na Igreja de Cristo.
21 Entretanto, como as pernas sustêm o corpo, assim os do quarto estado, por alguma força da enferrujada hipocrisia, sustentarão o corpo da Ordem, e tanto o ventre de que falamos como estas pernas de ferro vão ficar escondidas embaixo da roupa, porque embaixo do hábito da religião estão escondidas: pois apesar de terem o hábito da piedade, por dentro serão lobos vorazes (cfr. Mt 7,15; At 20,29).
22 E esses tais, que só servem ao ventre e também são enferrujados e férreos, escondidos para o mundo, mas manifestos diante de Deus, porque, com o martelo de uma vida depravada, como que reduziram a nada os bens preciosíssimos. 23 Por isso, eles vão ser afligidos como o ferro duríssimo pelo fogo das tribulações e pelos martelos das terríveis angústias, para serem assim cozidos não só pelas espadas seculares, pelos fogos e as brasas dos demônios e também dos governantes do século, de modo que os poderosos sofram poderosamente os tormentos.
24 E porque pecaram por causa da dureza irreverente, vão ser duramente torturados pelos irreverentes. Mas, por causa dessas angústias, vão ser levados a tamanha impaciência que, como ferro que resiste a todos os metais, eles se oporão a todos, 25 de modo que vão resistir obstinadamente não só aos poderes seculares mas também aos espirituais, achando que, como o ferro, poderão pisotear tudo: pelo que vão desagradar a Deus ao máximo.
26 O quinto estado vai ser em parte de ferro, quanto aos hipócritas de que falamos, e em parte terra, quanto aos que vão se envolver totalmente nos negócios seculares. 27 E como vistes que nos pés apareceram ao mesmo tempo o barro cozido e o ferro, que não podem unir-se de maneira alguma, assim será o estado desta Ordem no seu termo: 28 vai nascer uma divisão tão abominável entre os ambiciosos de ferro e os de barro, cozidos a partir do lodo das coisas temporais e da concupiscência da carne, que, pela maior das discórdias, não poderão estar juntos, como o ferro e a cerâmica. 29 E não só vão desprezar o evangelho e a regra, mas esmagar toda a santa disciplina da Ordem com os pés de cerâmica e de ferro, isto é, com os afetos depravados e imundos. 30 E assim como a terra cozida e o ferro estão divididos entre si, assim muitos deles vão se dividir por dentro e por fora: por dentro vivendo em contendas; por fora aderindo aos partidos e aos tiranos seculares. 31 Por isso, chegarão a tamanha displicência diante de tudo, que não só mal poderão entrar ou morar em algumas regiões, como mal poderão usar abertamente o hábito.
32 Muitos deles vão ser punidos e destruídos em tormentos horríveis por pessoas seculares, porque toda casa e todo chão evitarão tão abomináveis pés. 33 Mas tudo isso vai acontecer com eles porque se afastaram totalmente da cabeça de ouro. Por isso serão felizes os que, naqueles dias preciosos, voltarem às admoestações da cabeça, porque o Senhor os provou como o ouro na fornalha e os coroará como holocaustos substanciosos, e os acolherá na eternidade (cfr. Sb 3,6).
34 Aquele saco, do qual me mostro envergonhado, é a santa pobreza, que é de toda a Ordem o ornamento, o espelho, a custódia singular a coroa e fundamento de toda santidade. 35 Entretanto, se vierem a faltar todos os esforços de virtude, como dissemos acima, os filhos degenerados vão se envergonhar da própria santíssima pobreza e, jogando as roupas vis, preferirão as preciosas. Simoníaca e ansiosamente vão arranjar capas de vaidade. 36 Felizes e bem-aventurados serão os que perseverarem até o fim (cfr. Mt 24,13) naquilo que prometeram a Deus”.
Dito isso, a estátua desapareceu. 37 E São Francisco, muito admirado com isso tudo, recomendava a Deus com muitas lágrimas, como um bom pastor, suas ovelhas presentes e futuras.
Graças a Deus. Amém.