Sobre a tentação de Frei Rufino e como Cristo lhe apareceu.
1 Frei Rufino, dos mais nobres de Assis, companheiro do bem-aventurado Francisco, certa ocasião, quando o bem-aventurado Francisco ainda estava vivo, foi gravemente atormentado na alma pelo demônio sobre a predestinação: pois o antigo inimigo lhe sugeria no coração que ele não era dos predestinados para a vida e ia perder tudo que fizesse no serviço da religião. 2 Por causa desse tormento, que durou muitos dias, tinha ficado todo melancólico e triste, e ficava com vergonha de falar com São Francisco sobre essa sua luta. Mas não deixou absolutamente de fazer as orações costumeiras.
3 Mas o antigo inimigo, querendo acumular sobre ele tristeza sobre tristeza (cfr. 2Cor 2,3), que fere gravemente os servos de Deus, juntou à luta interior também ataques exteriores. 4 Por isso, aparecendo-lhe na forma do Crucificado, disse: “Frei Rufino, porque te afliges em todas essas orações e penitência, se não és um dos predestinados para a vida? Acredita em mim, porque eu sei quem escolhi (cfr. Jo 13,18).
5 Não acredites no filho de Pedro de Bernardone, se te disser o contrário. Nem lhe faças perguntas sobre isso, porque ele ou outro ignoram isso. Mas eu, que sou o Filho de Deus, sei bem. Por isso, acredita em mim com certeza que tu és do número dos condenados. 6 E o próprio Frei Francisco, teu pai, está condenado; e todos os que o seguem estão enganados”.
7 Frei Rufino, porém, estava tão escurecido pelo príncipe das trevas, que já perdera a fé e o amor por São Francisco, e nem tratava de dizer isso a ele. Mas o Espírito Santo revelou ao santo pai o que Frei Rufino não disse. 8 Por isso, o próprio pai piedoso, vendo em espírito tão grande perigo para esse irmão, mandou que Frei Masseu que fosse buscá-lo, para que viesse de qualquer jeito.
9 Pois Frei Rufino e Frei Francisco estavam no lugar do monte Subásio, perto de Assis. Então Frei Rufino respondeu a Frei Masseu: “O que eu tenho a ver com Frei Francisco?”.
10 E Frei Masseu, homem todo cheio da sabedoria de Deus, percebendo claramente o engano do inimigo maligno, disse: “Frei Rufino, não sabes que São Francisco é como um anjo do Senhor, que iluminou tantas almas neste mundo e de quem nós recebemos tantos dons da graça divina? 11 Por isso eu quero que tu venhas mesmo a ele, porque estou vendo com clareza que foste enganado pelo demônio”. Então Frei Rufino foi imediatamente ver São Francisco.
12 Quando São Francisco o viu, de longe, começou a gritar: Ó Frei Rufino, mauzinho, em quem acreditaste?”. E contou-lhe em ordem toda a tentação que tivera por dentro e por fora. 13 E o santo pai demonstrou-lhe que aquele que lhe sugerira aquelas coisas era o diabo e não Cristo. E que por isso de maneira alguma devia concordar com aquelas afirmações: “Mas, quando te disser: tu estás condenado, responde com segurança: Abre a boca para eu te cagar”. 14 E que isto seja para ti um sinal de que ele é o diabo: quando disseres isso ele vai logo fugir. Também deves reconhecer que ele é o diabo, porque endureceu teu coração para todo bem, o que é do seu ofício. 15 Mas o Cristo bendito nunca endurece o coração do homem. Até diz: Tirarei o teu coração de pedra e te darei um coração de carne (cfr. Ez 11,19)”.
Frei Rufino, porém, quando São Francisco contou em ordem a série de tentações que o tinham atormentado por dentro e por fora, começou a chorar fortemente.16 Inclinando-se diante do santo e reconhecendo humildemente a culpa e que tinha ocultado isso dele. Todo confortado no Senhor pelos conselhos do santo pai, ficou transformado inteiramente para melhor.
17 São Francisco disse: “Vai te confessar, filho, e não deixes teu esforço habitual de oração. Fica sabendo com certeza que essa tentação vai ser da maior utilidade e consolação para ti, como perceberás em breve”.
18 Então Frei Rufino voltou para sua cela, para orar no bosque. Estava rezando com muitas lágrimas quando veio o inimigo na figura de Cristo, dizendo: “Frei Rufino, eu não te disse para não acreditar no filho de Pedro de Bernardone, porque ele está condenado, e que não devias perder tempo com orações e lágrimas? 19 Pois o que te adianta te afligires enquanto viveres se estarás condenado quando morreres?”. Frei Rufino respondeu na hora: “Abre a boca, que eu te cago!”.
20 Então o diabo foi embora indignado, com tamanha tempestade e movimento das pedras do monte Subásio que, durante um bom tempo, correram pedras em quantidade, onde ainda se vê uma horrorosa ruína de pedras. 21 Batendo umas nas outras, as rochas do monte soltavam muito fogo pelo vale. Com o horrível fragor das pedras, São Francisco e os companheiros, saíram admirados do seu lugar para ver aquela novidade.
22 Então Frei Rufino percebeu manifestamente que o inimigo o enganara. Voltou outra vez a São Francisco e, prostrando-se em terra, disse a culpa de novo. Confortado por São Francisco, ficou completamente pacificado. 23 Depois disso, estava orando com muitas lágrimas quando Cristo bendito lhe apareceu e derreteu toda a sua alma com o amor divino, dizendo: “Meu filho, fizeste bem em acreditar em Frei Francisco; porque aquele que te entristecia era o diabo. 24 Mas eu sou Cristo teu mestre. E, para teres toda a certeza disso, este é o sinal: enquanto estiveres neste mundo, nunca mais ficarás triste”.
25 Cristo abençoou Frei Rufino e o despediu com tanto júbilo, doçura de espírito e elevação da mente que passava dia e noite absorto em Deus. 26 Daí em diante ficou confirmado em tanta graça, bênção e segurança da salvação eterna que se renovou inteiro em um outro homem. E também ficou confirmado em tão grande elevação da mente e perseverança na oração que ficaria dia e noite dentro de um pequeno círculo, a contemplar as coisas divinas, se alguém não o impedisse.
27 Por isso São Francisco dizia sobre ele que Frei Rufino tinha sido canonizado vivo no céu pelo Senhor Jesus Cristo, e que ele não teria dúvida de dizer, em sua ausência, que ele era São Rufino, ainda vivendo na terra.
Para o louvor de n. Senhor Jesus Cristo. Amém.