Sobre o leproso blasfemo, a quem São Francisco curou na alma e no corpo.
1 Quando o nosso bem-aventurado pai Francisco vivia neste mundo digno de misericórdia e de pranto, iluminado pelo Espírito Santo, empenhava-se sempre com todas as forças por seguir os vestígios de nosso Senhor Jesus Cristo. 2 Por isso, como Cristo teve a dignidade de se fazer um peregrino, também o bem-aventurado Francisco mostrou que ele e sua Ordem eram verdadeiramente peregrinos. E mandou escrever isso na regra, para que, como peregrinos e forasteiros(cfr. 1Pd 2,11) servissem ao Senhor Deus neste século.
3 E como Cristo, além disso, não só veio para servir os leprosos, curando-os e lavando-os no corpo, mas também quis morrer por eles santificando e limpando a alma; assim o bem-aventurado Francisco, querendo conformar-se com Cristo, servia os leprosos com a maior afeição, 4 dando-lhes a comida, lavando seus membros podres, lavando a roupa e até beijando-os com fervor.
5 Também mandou que os frades de sua Ordem, nos diversos lugares do mundo, por amor de Cristo que, por nós, quis ser visto como um leproso (cfr. Is 53,4), servissem com solicitude aos leprosos, onde quer que eles se encontrassem. Como filhos da santa obediência, os frades faziam isso com a maior prontidão, em muitos lugares.
6 Mas uma vez aconteceu, num lugar em que serviam aos leprosos, que havia um leproso tão pestilento, impaciente e malcriado, que ninguém duvidava de que estivesse sendo movido pelo espírito maligno pois, assim como o Espírito Santo atua na alma para tudo que é saudável, o espírito maligno faz o mesmo para tudo que é maldade. 7 Pois o tal leproso, além de se impor aos que o serviam com horrorosos impropérios e injúrias, feria-os com chicotadas e pancadas, o que é pior. 8 E além disso, ainda mais grave e horroroso, blasfemava contra Cristo bendito, contra sua Mãe santíssima e os outros santos.
9 Então, embora aqueles frades se esforçassem quanto podiam por fazer crescer o mérito da paciência nas injúrias e pancadas, sua consciência não podia de modo algum suportar as blasfêmias, para não parecerem coniventes com tamanho crime. 10 Por isso, resolveram abandonar o leproso, para não sustentarem o blasfemo de Deus e o vaso do diabo. 11 Mas não quiseram pôr em prática o que tinham decidido sem contar tudo direitinho a São Francisco, que morava em outro lugar.
12 Ouvindo isso, São Francisco foi ver o leproso. Quando entrou, disse-lhe: “Irmão querido, que Deus te dê a paz (cfr. Nm 6,26)!”. Ele respondeu: “E que paz eu posso ter? Deus me tirou a paz, porque estou todo podre”. 13 Disse São Francisco: “Meu caro, tem paciência, porque os males que se infligem aqui aos corpos vão servir para a salvação da alma, se forem bem suportados”.
14 Ele respondeu: Como posso suportar com paciência se o meu castigo continua dia e noite? Eu não estou queimando e sofrendo só por causa da doença, mas também porque me afligem muito os frades que me deste como servidores. Nenhum deles me serve como devia”.
15 Mas São Francisco, sabendo pelo Espírito Santo que ele estava sendo atormentado pelo espírito maligno, foi orar devotamente ao Senhor por ele. Depois de orar, voltou ao doente, dizendo: “Meu caro, vou eu te servir, já que não estás contente com os outros”.
16 Ele respondeu: “Está bem, mas o que tu podes fazer mais do que eles?”. São Francisco disse: “Vou fazer tudo que quiseres”. E ele: “Quero que me laves, porque estou todo fedido, tanto que nem eu me aguento”. 17 Na mesma hora, São Francisco mandou esquentar água com ervas odorosas e, despindo-o, começou a lavar o leproso com suas santas mãos. Um outro frade jogava água sobre ele. 18 E, assim como o corpo ia ficando curado por fora, a alma ia ficando limpa por dentro, de modo que, começando a ficar curado, o leproso começou a chorara com a maior amargura por uma compunção interior. 19 Então, como o corpo ia sendo lavado pela água e limpado de lepra, ele ia sendo batizado pela consciência das lágrimas e ficando limpo de toda iniquidade.
20 Todo limpo e curado exteriormente, ele ficou ungido e curado interiormente: prorrompeu e tanta compunção e tantas lágrimas, que chorava em voz alta 21 e gritava que era digno do inferno por causa das injúrias que tinha feito aos frades e por causa da impaciência e das blasfêmias contra Deus. 22 Durou quinze dias esse pranto admirável, que brotava do fundo do coração, e ele passava o tempo só invocando a misericórdia de Deus. Com essa compunção e essas lágrimas, confessou todos os seus pecados ao sacerdote.
23 Quando o bem-aventurado Francisco viu tamanho milagre deu graças a Deus, saiu dali e foi para regiões bem longínquas para que, se o milagre fosse conhecido pelo povo, não viessem todos correndo, o que o santo queria evitar quanto possível, por causa da humildade. 24 Empenhava-se, como servo fiel e prudente (Mt 24,45), em prestar a Deus honra e glória, mas procurar para si a desonra e a ignomínia entre os homens.
25 Mas o leproso, depois daquela cura milagrosa e de ter a compunção, ficou doente e acabou no Senhor em poucos dias, armado com os sacramentos da Igreja. 26 Quando São Francisco estava orando no bosque em um lugar remoto, o leproso falecido apareceu, mais bonito do que o sol, elevado no ar, dizendo: “Tu me reconheces?”.
27 São Francisco disse: “Quem és tu?”. E ele disse: “Eu sou o leproso que Cristo curou por teu mérito. Vou hoje para o reino bem-aventurado e por isso agradeço a Deus e a ti. 28 Benditos sejam tua alma e teu corpo, benditas sejam tuas palavras e obras, porque por ti muitas almas vão ser salvas e se salvam no mundo. 29 Fica sabendo que não há um dia no mundo em que todos os santos anjos e todos os santos e santas de Deus não manifestem a Deus um grande agradecimento pelos santos frutos que são produzidos em todo o mundo por ti e por tua Ordem. 30 Por isso, conforta-te, agradece a Deus e fica com a bênção de Deus!”. Dizendo isso, ele partiu para o Senhor e São Francisco ficou muito consolado.
Para o louvor de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.