Milagre sobre os estigmas do bem-aventurado Francisco, acontecido em um convento dos Frades Pregadores
1 Quão dignos de veneração foram os maravilhosos estigmas do santo pai Francisco fica manifesto por um notável milagre mostrado de maneira evidente em um convento dos Frades Pregadores. 2 Havia, naquele convento, um frade pregador que odiava tão profundamente o bem-aventurado Francisco que não podia ver em quadro nem ouvir em palavra nem crer no coração que ele tivesse sido marcado com os estigmas sagrados de Cristo. 3 Por isso, quando o frade, um conventual de além-Alpes, estava no referido convento, em cujo refeitório estava pintado São Francisco com os sagrados estigmas, movido pela falta de fé e pelo ódio, aproximou-se às escondidas e com uma faca raspou os sagrados estigmas da pintura do santo pai, de modo a desaparecerem completamente
4 No dia seguinte, porém, quando o mesmo frade se sentou à mesa, olhou para a imagem de São Francisco e viu lá os estigmas nos lugares em que ele raspara, com mais frescor do que os primeiros. 5 E, indignado, pensou que na primeira vez não houvesse raspado completamente; e, observando a hora em que ninguém estava presente, porque quem faz o mal odeia a luz (cf. Jo 3,20), aproximou-se e, pela segunda vez, raspou os estigmas do santo, de tal modo, porém, que não destruiu o cimento por baixo da pintura. 6 No terceiro dia, quando o mesmo frade se sentou à mesa, olhou para a imagem de São Francisco; e eis que viu aqueles sagrados estigmas tão belos e novos como nunca tinham parecido tão recentes. 7 Então o frade, cego pela maldade e incitado pela perfídia, ao segundo pecado acrescentou o terceiro; e disse em seu coração: “Por Deus! Eu destruirei estes estigmas de modo que nunca mais vão aparecer!” 8 E, corno costumava, observando a hora em que ninguém via, mas esquecido de que aos olhos de Deus todas as coisas estão nuas e abertas (cf. Hb 4,13), com furioso ímpeto tomou a faca e escavou da pintura os sinais dos estigmas, arrancando a tinta e o cimento.
9 Mas, imediatamente, quando acabou de escavar, começou a jorrar sangue vivo dos próprios buracos, e o sangue, jorrando impetuosamente, começou a ensangüentar o rosto, as mãos e a túnica do frade. Ele, aterrorizado, caiu como morto. 10 Aquele sangue escorria como um rio dos sagrados estigmas escavados por aquele coitado. Nesse meio tempo, os frades do convento reuniram-se junto dele, que jazia como exânime, e, percebendo sua malícia, muito lamentaram. 11 Vendo, além disso, que aquele sangue fluía continuamente, taparam os buracos com pedaços de pano e mechas, mas não puderam estancar o fluxo de sangue. 12 Por isso, temendo que os seculares constatassem esse fato e que por isso eles tivessem que suportar escândalo e vergonha, pensaram em recorrer devotamente a São Francisco. 13 E o prior, com todos do convento, despindo-se diante da imagem de São Francisco e disciplinando-se e suplicando com lágrimas, rogaram ao bem-aventurado Francisco que, com misericórdia, perdoasse a ofensa do frade e se dignasse estancar o fluxo daquele sangue.
14 E imediatamente, pela humildade deles, a oração foi atendida; o sangue não correu mais, e os estigmas do santo, em sua beleza, permaneceram para ser venerados por todos. E o mencionado frade, desde então, se tornou devotíssimo do santo pai; 15 e, como testemunharam os irmãos do lugar do Alverne, aquele frade se dirigiu ao Monte Alverne por devoção e levou consigo aquela mecha ensangUentada e a deu aos irmãos. 16 Além disso, foi por devoção a Santa Maria dos Anjos e visitou devotamente todos os lugares de São Francisco, com grande reverência e lágrimas. 17 pois, onde quer que pudesse encontrar algo dos feitos e das coisas de São Francisco, prorrompia em tão devotas lágrimas que fazia também outros chorarem.
18 Ele mesmo relatou também todos os preditos milagres diante de muitos irmãos menores no Alverne e em Assis, estando, porém, ausentes os seus companheiros, talvez para que eles não considerassem como opróbrio de sua Ordem. 19 O dito frade, pelos méritos de São Francisco, tornou-se também tão benévolo para com os irmãos de São Francisco que, assim como antes não podia vê-los, depois, firmado na caridade de Deus, os venerava com afeição de amor fraterno.
Para o louvor e glória de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.