Sobre um frade jovem tentado que foi libertado por uma visão admirável.
1 Um jovem, muito nobre e delicado, veio para a Ordem de São Francisco. Alguns dias depois de vestir o hábito dos frades, por instigação do demônio, começou a ter tanta abominação pelo hábito que usava, que lhe parecia estar vestindo um saco vilíssimo. 2 Por isso tinha horror das mangas, abominava o capuz e até o comprimento da túnica e achava que sua aspereza era uma carga insuportável. 3 Por isso aconteceu que, aumentando o fastídio da religião, resolveu de uma vez rejeitar o hábito e voltar para o vômito do século.
4 Mas o seu mestre, a quem o jovem tinha sido confiado desde o começo, ensinara-o que, ao passar diante do altar do convento, em que se guardava o santíssimo corpo de Cristo, se inclinasse com grande reverência, de joelhos, com a cabeça descoberta e os braços cruzados. O jovem sempre observava isso solicitamente.
5 Aconteceu, porém, que, na noite em que tinha resolvido largar o hábito e voltar ao século, ele teve que passar diante do altar, onde, pelo costume que antes aprendera, ajoelhou-se de maneira habitual. 6 Imediatamente foi arrebatado em espírito, e lhe foi mostrada uma visão admirável: pois viu como que uma multidão infinita passando em procissão diante dele. 7 Mas todos os que iam dois a dois naquela bem-aventurada procissão estavam vestidos com ornamentos preciosos diferentes. Mas o rosto, as mãos, e tudo que aparecia do corpo irradiava mais esplendidamente que o sol. 8 E iam cantando, solene e muito suavemente, com o canto e o júbilo dos anjos. Entre eles iam dois mais nobres que os outros, cercados por tanta claridade que produziam um admirável estupor em que todos os que viam.
9 Lá pelo fim da procissão, viu também um ornamentado com tanta glória que parecia estar sendo honrado especialmente por todos, como um cavaleiro novo. 10 Vendo isso, o jovem se admirava e não sabia o que era, nem ousava interrogar os que passavam, nem podia, estupefato pela enorme doçura.
11 Mas, quando a procissão tinha passado e ele, ainda enxergando os últimos, recuperou a ousadia e correu para eles, perguntando: “Ó caríssimos, eu vos rogo que queirais dizer quem são esses tão admiráveis que estão nessa veneranda procissão?”.
12 E eles, virando para ele seus rostos tão esplendorosos, disseram: “Nós todos somos frades menores, que viemos agora da glória do paraíso”. Ele perguntou de novo: “Quem são aqueles dois que brilham mais que os outros, de maneira tão excelente?”. Responderam: “Aqueles dois mais claros do que os outros são São Francisco e Santo Antônio.
13 E aquele último que está sendo tão honrado é um santo que morreu há pouco tempo que, por ter lutado valentemente contra as tentações e perseverado no santo propósito, estamos levando para o reino eterno em glória e triunfo, na companhia dos santos e na alegria dos anjos. 14 E estas roupas variadas que levamos, tão bonitas, foram-nos dadas por causa das ásperas túnicas que usamos pacientemente na religião. A claridade gloriosa, que vês, foi-nos dada por Deus por causa da humilde penitência que fizemos, e por causa da santa pobreza, da obediência e da castidade puríssima, que guardamos até o fim, de mente alegre.
15 Por isso, filho, que não te seja duro usar o hábito da religião, tão frutuoso, porque no burel do bem-aventurado Francisco, desprezando o mundo, mortificando a carne (cfr. 1Jo 2,16) e lutando fortemente contra o diabo, te comportarás varonilmente e refulgirás conosco com roupas e claridade semelhantes”.
16 Dito isso, o jovem voltou a si e, confortado pela visão, lançou fora toda tentação, reconheceu sua culpa diante do guardião e dos frades e, a partir daí, desejou a aspereza da penitência e da roupa como delícias. 17 E assim, mudado para melhor, acabou numa vida santa.
Para o louvor de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.